São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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CAMPO MINADO

Norma é baixada 4 dias após reportagem sobre "inflação" de números

Ministério muda regra e cadastrado vira "assentado"

RUBENS VALENTE
DO PAINEL

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA

Depois de ter sido revelado que o governo federal inflou os números de seu programa de reforma agrária incluindo candidatos a receber terra em balanço de assentamentos, o Ministério do Desenvolvimento Agrário resolveu mudar a regra e oficializar a prática.
Portaria do ministro José Abrão possibilita considerar terrenos baldios como "assentamentos" e pessoas apenas inscritas e selecionadas para tentar obter terra do governo como "assentadas".
A portaria muda os conceitos para assentamentos e assentados do "Manual dos Assentados", editado pelo atual governo, e da "Norma de Execução" do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), de 2001.
A portaria foi baixada quatro dias depois da primeira de uma série de reportagens publicadas pela Folha sobre manipulações nos balanços do órgão.
Não é possível saber hoje o impacto numérico da medida, pois o Incra não divulga dados parciais deste ano. Das 102.449 famílias consideradas assentadas em 2001, ao menos 12 mil apenas haviam se inscrito pelo Correio. Ao tentar se explicar, o ex-ministro Raul Jungmann adicionou 18.972 famílias à conta: elas só seriam efetivamente assentadas neste ano.
Publicada no "Diário Oficial" da União do último dia 25, a portaria diz que "assentamento" é apenas uma "unidade territorial" obtida "para receber em suas várias etapas indivíduos selecionados pelos programas de acesso à terra".
Para ser contabilizada como assentamento, qualquer área, a partir de agora, não necessita da presença de trabalhadores rurais ou de quaisquer obras de infra-estrutura. Na prática, com a nova definição, terrenos baldios podem ser considerados "assentamentos". Com isso, a medida acaba com os "assentamentos-fantasmas".
O termo "assentado" também foi alterado. A partir de agora, um assentado não precisa estar na terra para ser considerado como tal pelo governo. Segundo a portaria, "é o candidato inscrito que, após ter sido entrevistado, foi selecionado para ingresso" no programa de reforma agrária.
Em outras palavras: o governo não será mais obrigado a oferecer infra-estrutura básica (água, luz e esgoto), fazer medição e demarcação dos lotes, liberar créditos para a construção de casas e gastos com alimentação, entre outros benefícios, para considerar uma família como assentada.

Sem terra
Ainda segundo a portaria, a família pode estar ou não "em área identificada, incorporada ou em processo de incorporação". Assim, uma família será considerada "assentada" mesmo que governo ainda não tenha em seu domínio a área para o assentamento.
A portaria também cria novas etapas para um assentamento: de duas (implantação e consolidação) passam a sete. E diz que um assentamento pode ser considerado "criado" com a simples incorporação do imóvel ao Incra, "na condição permissiva de ingresso das famílias selecionadas".
Nos casos hipotéticos de falta de recursos orçamentários do ministério ou de um embargo de desmatamento na área para construção de casas -mesmo que essas situações se prolonguem por anos a fio-, aquela determinada área será considerada pelo governo, durante todo esse tempo, um "assentamento criado".
Depois de "criado", segundo as novas normas, um assentamento passará pela fase de "em instalação" e, depois, pela etapa de "em estruturação". Somente nesta (a quinta em ordem cronológica), o governo promete "iniciar a fase de implantação de infra-estrutura básica: abastecimento de água, eletrificação rural, estradas vicinais e edificação de moradias".



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