São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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JANIO DE FREITAS

A indagação

Passado menos da metade do mandato, a incógnita essencial que emerge do governo não se refere mais à parcela que, afinal, será cumprida -supondo-se ainda que alguma coisa o seja- dentre as promessas e compromissos com que Lula atraiu o eleitorado a fazê-lo presidente.
Tal incógnita, comum a todos os governos eleitos, está suplantada pela variedade de indagações, menos ou mais inquietantes, que o fracasso de Lula e seu governo impõe a parcelas cada vez maiores da população, como verificam as pesquisas de opinião pública.
Nesse sentido, a semelhança maior de Lula e seu governo não é com Fernando Henrique e o neoliberalismo. É com Collor e o governo que traria prodígios de justiça social e moralidade pública, e só produziu decepção. Fernando Henrique não produziu expectativas otimistas no eleitorado: foi eleito pelo plano real, e nenhum segmento do eleitorado demonstrou, jamais, a esperança de que governasse em contradição com o conservadorismo.
O PT e Lula, mas não só Lula no PT, tornaram-se para o eleitorado não conservador, em seus diferentes matizes, a alternativa derradeira. Eleitorado que cresceu com a saturação dos planos frustrantes e dos problemas crescentes e se tornou maioria. Por mais que uma parte dessa maioria relute ainda em admitir que as suas frustrações estão fortalecidas e agigantadas, talvez como nunca, pelo governo Lula, frustrações não precisam ser racionalizadas para serem efetivas.
É só observarmos, a propósito, que a proporção dos que perdem a confiança em Lula e no governo, seja qual for a pesquisa, é muito maior do que o segmento da população informada pela mídia de que, apesar do arrocho sem precedente nos gastos governamentais para pagar dívida e juros, a dívida em títulos saltou, com Lula, de R$ 637 bi para R$ 760 bi no mês de março. O próprio patrono da política econômica de Lula, o FMI, reafirma que o Brasil continua tão "significativamente vulnerável" quanto estava antes de Lula.
Ou seja, a maioria eleitoral não sabe que o argumento e a finalidade da política recessionista não se confirmam na prática. Mas, por seus mecanismos próprios, constata motivos para a perda progressiva de confiança no que era a sua alternativa restante. Se Lula e o PT se revelam idênticos aos governantes e partidos repelidos pela aspiração de alternativa, apesar da resistência conservadora a tal experiência, o que decorrerá do fracasso também da alternativa? O que poderá advir, tanto do ponto de vista institucional como do ponto de vista da maioria, é a incógnita principal que emerge, com presença crescente nas reflexões suscitadas pelo governo Lula, na evidência da grande frustração que se dissemina.
Os efeitos de grandes frustrações desse gênero são sempre imprevisíveis. Mas nunca as hipóteses mais consideráveis são as mais otimistas. Sobretudo quando os sinais de exasperação predominam no campo e nas cidades, e a descrença, na política, como meio de solução de problemas, é unânime.
O fracasso que Lula e seu governo constroem terá, se consumado como se prenuncia, alcances muito além de um e de outro.


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