São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2000

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QUESTÃO AGRÁRIA
Dirigentes nacionais formam grupo de elite de 23 a 25 pessoas
Sem-terra têm tomada de decisão descentralizada

ELIANE SILVA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Afinal, quem manda no MST? A mais recente disputa entre o movimento e o governo federal expôs uma faceta pouco conhecida dos sem-terra: a total descentralização da tomada de decisões.
José Rainha Jr., por exemplo, é uma das faces mais visíveis do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) na mídia. Apesar disso, ele não é dirigente nacional e nem estadual. Ou seja, ao bater boca com o ministro Raul Jungmann (Desenvolvimento Agrário), que o chama de ""chefe do MST", ele fala na verdade apenas pelos sem-terra do Pontal do Paranapanema.
Logicamente, esse é um caso extremo, visto que Rainha tem projeção nacional e influência na história do MST. Mas, na hierarquia, ele está abaixo de vários dirigentes menos conhecidos.
Os dirigentes nacionais do movimento, chamados de "rapazes" do MST pelo ministro Jungmann, numa alusão a serem membros do segundo escalão, formam um grupo de elite de 23 a 25 (o número oficial é um mistério) acampados e assentados com mandato de 2 anos, sem restrição à reeleição. A Agência Folha entrevistou 19 deles na semana passada.
A maioria dos "rapazes" do MST, que desafiou o governo várias vezes este ano, não chegou aos 40 anos, não terminou o primeiro grau e tem "salário" que varia de R$ 180 a R$ 400 mensais.
Além de comandar marchas e invasões a prédios públicos, eles promoveram vigílias na fazenda da família do presidente Fernando Henrique, em Buritis (MG), e prometem ações caso não haja acordo sobre o crédito agrícola.
O economista João Pedro Stedile, filho de produtores rurais no Rio Grande do Sul e um dos fundadores do movimento, é o único que não é "sem-terra".
Na teoria, Stedile, junto com o paranaense Gilmar Mauro, integram a direção nacional no mesmo grau hierárquico dos outros 21 líderes indicados pela coordenação nacional. Na prática, no entanto, os dois têm mais poder e são liberados para organizar o movimento em todo o país.
A maioria dos dirigentes nacionais tem entre 25 e 35 anos e milita no movimento há pelo menos dez anos. Dos 19 líderes, cinco são mulheres. Os sem-terra do Sul do país, berço do MST, ocupam 11 vagas na direção nacional, sendo cinco gaúchos, três paranaenses e três catarinenses. Quase todos atuam fora de seus estados de origem. Só dois dos entrevistados têm formação universitária e outros dois cursam faculdade.
Dezesseis dirigentes atuam no MST há pelo menos sete anos. Os mais antigos são Stedile e o paranaense Delwek Matheus, ambos com 16 anos de militância. O PT tem a preferência dos líderes, sendo que seis deles são filiados.
A ligação com a Igreja Católica é outro referencial entre os líderes. Alguns iniciaram a militância na Comissão Pastoral da Terra e outros deixaram o seminário para aderir aos acampamentos.
A estrutura hierárquica do MST é descentralizada e tem no topo a direção nacional, que comanda as ações em 23 Estados. O MST não existe no Acre, no Amazonas, em Roraima e no Amapá.
A coordenação nacional, formada por cerca de 300 sem-terra, define as linhas mestras que serão executadas pela direção nacional. Os coordenadores se reúnem duas vezes por ano. Os dirigentes nacionais têm reuniões mensais.
Outra linha política seguida é a busca da autonomia financeira. Mas os líderes se recusam a dar orçamentos ou a revelar quanto custa manter o MST, alegando que a arrecadação e o controle é todo descentralizado. Segundo o dirigente Gilmar Mauro, 70% da verba vêm da base. Outros 15% são doações de sindicatos e de igrejas e 5% são repasse de ONGs.


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