São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2004

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JANIO DE FREITAS

A ziquizira

A coerência das inversões está mantida: todas as lideranças petistas negam agora "a importância de ganhar em São Paulo", que tanto repetiram, como precondição "fundamental para a reeleição de Lula". As palavras entre aspas são encontráveis, impressas, sob as ocasionais autorias de José Dirceu, José Genoino, Aloizio Mercadante, um Luizinho que prefere anteceder-se de título, "professor", a seguir-se de sobrenome, e outros ilustres flexíveis. Nem por isso faltará aqui o consolo devido aos caídos: governo federal influi em eleição municipal, mas eleições municipais não influem em sucessão presidencial.
Não sei de onde saiu, mas parece ter sido de petistas e suas jornalistas, a idéia de que as eleições municipais já prenunciariam a eleição ou reeleição presidencial. Pelo menos nos últimos 44 anos, não há nenhuma evidência de tal relação.
Jânio Quadros, último presidente eleito antes da ditadura, venceu contra o PSD e o PTB, que tinham o predomínio dos municípios. Primeiro eleito depois da ditadura, Collor não baseou a candidatura ou a campanha em apoios partidários, logo, não dependeu da influência política dos novos ou velhos prefeitos. Quando Fernando Henrique Cardoso se elegeu, o PSDB era um partido pequeno e paulistamente paroquial, e nem sua aliança com o PFL diminuiria o papel do real, e não a influência da política nos municípios, na derrota de Lula. Quatro anos depois o PSDB, graças à presença no poder federal, já era o atual partido paulista com sucursais pelo país afora, mas a unanimidade tem atribuído a reeleição ainda ao real.
E, no entanto, aí está a dominante teoria da fundamental influência das eleições municipais na eleição presidencial, dois anos depois. Pode até acontecer. Como novidade, porém. E não se sabe de que modo, tantas são as variações possíveis nos novos arranjos partidários que em breve se iniciam.
A influência inversa, do desempenho do governo federal nas eleições municipais, é o que mais interessaria agora aos exames da oposição e do PT. Em sua entrevista "analítica" de ontem, disse José Genoino sobre os resultados em geral: "Nós [a direção do PT] achamos que a campanha foi vitoriosa". Não fosse o Genoino, pareceria impossível alguém ser capaz de tal "achar". Para não ser indelicado, pode-se dizer que o PT levou uma senhora surra.
Como no primeiro turno ocorreu com velhos domínios seus nos municípios paulistas, lá se foram outros no segundo, da nortista Belém à sulista Porto Alegre. Do Rio para baixo (em plena campanha, José Dirceu assegurava a vitória do PT no Rio, onde se deu a mais vexatória das suas derrotas), os petistas, além das capitais, não têm mais nenhum dos chamados municípios expressivos, politicamente. No Centro-Oeste, Goiânia e Cuiabá ficam com o PSDB. No Nordeste, ganhou em Fortaleza para receber um provável problema e, em Pernambuco, conservou Recife, mas à custa do apoio do governador a Lula.
Para um partido no poder federal, e fazendo o uso da máquina administrativa como fez o governo, incluído o próprio presidente, derrota tão extensiva é uma anomalia. O que se deu? Uma numerosíssima coincidência, que varreu o país do alto a baixo e só envolvendo o PT? Uma ziquizira, talvez, que se espalhou por todos os cantos? A ziquizira que fez tantas pessoas dizerem a mesma frase: "No PT eu não voto mais". Gente que sempre votou no PT, ou na esquerda, ou na "esquerda", e nesta eleição, por exemplo no Rio, dizia "no PT não voto mais, voto até no Cesar Maia", e votou no Cesar Maia.
A ziquizira nacional não estava entre as promessas da campanha de Lula, mas é sua maior (ou única) obra de âmbito nacional.


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