São Paulo, sábado, 02 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GOVERNO
Cardoso diz que descontrole tem permitido vazamento de informações
General admite que setor da Abin está sem controle

WILLIAM FRANÇA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Cardoso, reconheceu ontem que pelo menos um setor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) está fora de controle e tem permitido vazamentos de informações -segundo ele, "infundadas".
O setor com problemas seria o de Segurança Orgânica, responsável justamente por manter a salvaguarda das informações produzidas. "Verifica-se que há alguns vazamentos", afirmou. "Isso quer dizer que temos que aperfeiçoar esse setor, pois, afinal de contas, os conhecimentos lá produzidos são de propriedade do Estado brasileiro para serem usados apenas pelo destinatário, que é o presidente da República."
Diante da constatação do problema, o general disse esperar que mais denúncias contra a Abin sejam reveladas nos próximos dias. "Temos de ser pragmáticos e realistas. Eu acho que virão novas (denúncias) pelo caminho, porque quem iniciou isso, iniciou municiado de temas ou de documentos de uso interno", afirmou.
Segundo Cardoso, o primeiro documento interno que apareceu na imprensa nos últimos dois meses, por exemplo, era apenas uma proposta de plano de inteligência "para sugestões e para estudos que nem sequer tinha assinatura". Para o general, "é lógico que está havendo uma trama para atingir a instituição ou contra as pessoas que dirigem a Abin". Ele não quis citar nomes. "Mas não é uma trama institucional (orquestrada). As denúncias não estão no contexto de valores, estão em outro contexto."

Demissão
O general Cardoso disse que, de todas as acusações recentes contra a Abin, a única denúncia que trazia algum contexto de valor foi a revelação de que o ex-tenente Carlos Alberto del Menezzi teria participado de torturas durante o regime militar. "Essa foi a razão pela qual até ontem (anteontem) o coronel Ariel De Cunto não havia se sentido constrangido e levado a pedir demissão. Ele percebeu que, naquela denúncia (o do acusado de tortura), ele se responsabilizava por ela."
Ontem, o general buscou amenizar o episódio de saída do diretor-geral da Abin, que foi demitido por ele por determinação do presidente Fernando Henrique Cardoso. Durante a entrevista, concedida após ato ecumênico em comemoração aos 62 anos de criação da Casa Militar da Presidência -antecessora do Gabinete de Segurança Institucional-, Cardoso embargou a voz e marejou os olhos ao falar do "amigo de 48 anos" que teve de demitir.
"Ele (De Cunto) pediu a exoneração. Ele foi correto até o último instante, o tempo todo foi correto. Ele percebeu que havia constrangimentos naquela situação daquele servidor (Menezzi), que era um servidor correto e muito bom, e pediu demissão para desanuviar a situação. E, com muita dor no coração, tive de aceitar o pedido de demissão do Ariel."
Durante o ato ecumênico que reuniu os vários setores do seu gabinete, Cardoso disse, também emocionado, que ali "estava fazendo falta um guerreiro dos últimos seis anos", citando indiretamente De Cunto. "Ele se afastou em nome da transcendência do Estado, que é muito mais forte que a transcendência da amizade." O general Cardoso negou que as denúncias e a demissão de De Cunto o tenham deixado em posição desconfortável no governo.
"Eu me sinto preocupado, é lógico, pois é um órgão subordinado a mim sob esse bombardeio. Mas desconfortável no cargo não. Pelo contrário, eu cresço no combate. Assim foi minha vida. Enquanto eu tive uma missão, a levei até o fim."
Ontem foi publicada no "Diário Oficial" da União a demissão de De Cunto. Responderá interinamente pela Abin a atual diretora-geral-adjunta, Marisa Del'Isola e Diniz. Ela integra a estrutura de informações há 25 anos, é psicóloga e respondeu nos últimos sete anos pelo centro de formação de pessoal.
"É uma mulher muitíssimo competente, séria e discreta. Vocês jamais verão uma entrevista dela", afirmou Cardoso. Ontem, por exemplo, ela não compareceu ao culto ecumênico, que reuniu mais de 200 servidores.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Ex-membros do SNI serão avaliados
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.