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Elio Gaspari
Hillary, Obama e a virtude das primárias
Um dia prevalecerá
no Brasil a prática da
realização de prévias para
a escolha de candidatos
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ANTES QUE SE SAIBA o resultado do
desfile das escolas, vai-se saber
quem prevaleceu na disputa entre
Hillary Clinton e Barack Obama na grande prévia de 22 Estados americanos. Se o
Padre Eterno ajudar, um dia funcionará
no Brasil a idéia (já absorvida pelo PT) de
realizar prévias para a escolha de seus
candidatos. O debate de quinta-feira na
Califórnia mostrou como essa modalidade de democracia direta disciplina os
candidatos, civiliza a agenda e enobrece
o eleitor. Os americanos transformaram
um processo de convenções de coronéis
numa saudável instituição. Levaram
quase 50 anos para conseguir isso, mas o
resultado está aí.
Durante duas horas, Clinton e Obama
discutiram a questão dos planos de saúde com mais clareza, independência e
preparo que todas as autoridades brasileiras nos últimos dez anos. Isso num
país que está em guerra, com a recessão
batendo à porta.
Entrou-se naquele auditório onde se
festejam os Oscars com a idéia de que
Obama é vazio e Hillary é uma jararaca.
Ela foi uma craque e quem a viu gostaria
de tê-la em casa para jantar. Ele mostrou
que sabe do que fala. Os dois cresceram.
Ela pode ter se saído melhor, mostrando-se mais articulada, mas isso não garante muita coisa. Falta ainda muito chão para se saber se ela derrota Obama
ou se os dois podem formar uma chapa
de ouro, com ele na vice. Suas propostas
ainda ficaram vagas. Nenhum dos dois
disse como pretende sair do Iraque, nem
como conseguirá um consenso para lidar
com os imigrantes sem documento, mas
ofereceram aos eleitores o essencial: a
sensação de que se pode confiar neles.
Com seu sorriso de Paulinho da Viola e
o porte de Ataulfo Alves, Barack Obama
terá uma caminhada morro acima, obrigado a botar musculatura na sua plataforma. Para se ver o tamanho da vantagem que acumulou, até hoje, ninguém
achou que pode ganhar dinheiro vendendo papel higiênico com o seu rosto
estampado. O de Hillary Clinton custa
US$ 7.
Se os partidos brasileiros começarem a trabalhar amanhã na montagem
de um processo de primárias para a escolha de seus candidatos, haverá um
período de maracutaias e manipulações, mas inevitavelmente vai-se chegar a um sistema melhor que o atual. Exemplo disso é a relativa perda de influência do comissariado petista nas
decisões do partido. Os vícios sobrevivem, mas a máquina é obrigada a disfarçá-los. Já é alguma coisa, sobretudo quando se vê que os tucanos continuam praticando sua democracia gastronômica. Havendo uma divergência, os caciques jantam e marcham para a
traição, ou para a derrota.
O PODER DOS SÁBIOS DO PLANALTO É IMENSO
Em fevereiro de 2004,
quando o governo começava a
sair do aperto econômico do
ano anterior, corriam no Congresso as primeiras histórias
de que um deputado se recusara a aceitar uma mesada
oferecida pelo comissariado
petista. Em setembro, apareceu na imprensa uma palavra
nova: "mensalão".
Os çábios do Planalto não
fizeram nada. Nosso Guia recuperara popularidade e, portanto, não havia o que temer.
Veio a tempestade. Lula reelegeu-se e hoje tem um inédito apoio popular. A ministra
Matilde Ribeiro só foi mandada embora porque arriscava
provocar a instalação de uma
CPI, não porque usou o cartão
da Viúva para alugar carro e
pagar conta de hotel durante
as férias. A dupla Lobão-Lobinho honra o ministério e o Senado. Os comissários da Brasil Telecom e os marqueses da
Telemar/Oi podem fazer o
que bem entendem. O processo do mensalão pode ser abafado por factóides. A Comissão de Ética da Presidência
pode ser transformada em casa de lanches.
Como em 2004, os sábios
pensam que podem tudo, mas
fazem a agenda que a oposição botará na avenida em
2010.
CARNAVAL
Recomendação para quem for
apanhado com uma camisinha
na bolsa ou na carteira: ao contrário do que se pode pensar, ela
pode ser conveniente para alguém que, por algum motivo, seja convidado para falar diante de
um microfone.
Essa utilidade do objeto foi
descoberta por John Lennon ao
gravar "Yellow Submarine". Ele
passou uma camisinha no microfone e gostou do efeito sonoro. Pode não ser convincente,
mas é uma explicação melhor do
que a história da empregada doméstica que laranjou a empresa
na qual Edinho Lobinho era sócio.
JUÍZO
O comissariado do Planalto
não deve se esquecer do que disse a ministra Marina Silva há um
ano, quando sua colega Dilma
Rousseff queria degolá-la: "Eu
perco o pescoço, mas não perco
o juízo".
INTERNACIONALISMO
O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, Cezar Britto, quer que
sua guilda proponha a criação de
um tribunal internacional para
discutir a questão da Amazônia,
em busca de "soluções definitivas para que este patrimônio do
Brasil e da humanidade não desapareça". Ouvir a opinião dos
outros é uma coisa. Brincar de
tribunal, bem outra. Se o doutor
ou qualquer outro membro do
conselho quiser isso (ou seu contrário), é um direito de cada um
deles. Supor que uma Ordem de
Advogados tenha competência
para isso é um despropósito. Por
falar em internacionalização, os
madeireiros podiam sugerir que
a OAB discutisse a abertura do
mercado brasileiro a advogados
inscritos em quaisquer corporações similares, diplomados em
outros países.
RECORDAR É VIVER
Chateado com os protestos
internacionais diante do desmatamento da Amazônia, Nosso Guia teve um surto de xenofobia e anunciou: "Topo brigar com essas ONGs por causa disso. Vão plantar árvores no país
deles". Certamente esqueceu-se do dia 17 de maio de 1975,
quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo e comandava a greve
da Scania, passou bom tempo
ao telefone recebendo telefonemas de solidariedade de sindicatos estrangeiros. Entre eles
a Union of Automobiles Workers, dos Estados Unidos. Dias
depois, sindicatos alemães e a
Federação dos Metalúrgicos da
Suécia toparam entrar na sua
briga. À época, ele achava bonito que irrigassem greves em
Pindorama.
CASA DA SOGRA
Em Pernambuco, há os Cavalcantis e há os Cavalgados.
No mundo globalizado dos laboratórios farmacêuticos, há os
mercados que merecem respeito e os que recebem desdita.
O Eli Lilly está negociando
um acordo de US$ 1 bilhão com
o governo para se livrar de um
processo por ter encorajado a
comercialização do remédio
Zyprexa entre 2000 e 2003 para idosos que padeciam de demência. Nesses casos, ele pouco adiantava e provocava danos
à saúde. O laboratório já pagou
US$ 1,2 bilhão a 30 mil vítimas.
No Brasil, onde o remédio também foi vendido com propaganda enganosa, nada. Em
2004, o Merck orgulhou-se de
ter retirado do mercado mundial o antiinflamatório Vioxx,
pois ele foi associado a distúrbios cardiovasculares. No Brasil, quem apresentou suas caixas com o remédio, recebeu seu
dinheiro de volta. Nos Estados
Unidos, foi oferecido um acordo de US$ 4,85 bilhões às vítimas da droga.
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