São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CAMPO MINADO

Apenas 0,31% dos recursos destinados à obtenção de imóveis rurais em 2004 haviam sido gastos até 21 de março

Gasto com a reforma agrária é quase nulo

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os gastos com a aplicação da reforma agrária e a prevenção de conflitos no campo estão praticamente paralisados tanto no Ministério do Desenvolvimento Agrário como no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Somando-se todos os programas e ações da pasta e do órgão, inclusive o apoio administrativo aos servidores -como vale-alimentação e vale-transporte- a relação entre verbas aplicadas e disponíveis é de 2,11%, nos 80 primeiros dias de 2004.
Levantamento do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) com base no Siafi (sistema informatizado de acompanhamento de gastos federais), ao qual a reportagem teve acesso, aponta que o governo havia gasto até 21 de março passado, por exemplo, apenas R$ 1,2 milhão dos 400 milhões autorizados para obtenção de imóveis rurais -o que representa 0,31%.
A própria assessoria do Incra admitiu o baixo índice de gastos com a obtenção de terras. Na última quarta-feira, uma semana após o fechamento do relatório do Inesc, informou que a quantia permanecia na casa dos R$ 1,2 milhão. Na última terça-feira, em entrevista no Palácio do Planalto, o ministro Miguel Rossetto disse: "Em hipótese alguma o governo está omisso e parado. Há um total empenho para realizar a reforma agrária". No dia seguinte, afirmou que há uma conduta "absolutamente rigorosa" com a aplicação das verbas no ministério.
Programas relacionados à agricultura familiar, os mesmos cujas propagandas institucionais do governo foram retiradas da televisão porque utilizavam imagens enganosas, tiveram gastos de 0,37% (R$ 842,2 mil) sobre os R$ 229,4 milhões autorizados.
Os gastos com programas referentes aos conflitos fundiários também dão sinais de paralisia, justamente no momento em que o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) inicia uma série de invasões e protestos pelo país. Dos R$ 804,3 mil disponíveis para a ação de "prevenção de tensão social no campo" o governo utilizou R$ 1.653 -o equivalente a 0,21%.

Gasto zero
Nenhum centavo, até o dia 21 do mês passado, foi gasto nas ações de "capacitação de mediadores de conflitos", "atendimento de denúncias", "mediação de conflitos" e "implantação de ouvidorias agrárias".
À CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Terra, nesta semana no Senado, o ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, cobrou a reestruturação do Incra e a criação de ouvidorias agrárias nacionais em todos os Estados. Hoje, além de sua sede em Brasília, elas estão instaladas nos Estados de Mato Grosso do Sul, do Ceará e do Pará.
No último final de semana, o ambiente de tensão no campo se acirrou após o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, ter declarado que iria "infernizar" o governo por meio de invasões de terra. Foi quando começou também a chamada "jornada de lutas" do movimento, numa forma de homenagear os 19 sem-terra mortos pela Polícia Militar em abril de 1996 em Eldorado do Carajás (PA).
Desde o início da "jornada", o MST fez 25 invasões em todo o país. Só ontem foram quatro: uma na Bahia, uma no Rio Grande do Sul e duas em São Paulo.
Anteontem, Stedile recuou, dizendo que os termos corretos seriam "azucrinar" e "pressionar" no lugar de "infernizar". Manteve, porém, as críticas ao governo, dizendo que "falta coragem" para promover mudanças na área econômica e que a política de reforma agrária é uma "vergonha".
Um volume maior de recursos, porém, tem sido gasto pelo Incra para atender às cerca de 200 mil famílias acampadas em todo o país. Na chamada ação de "assistência social, técnica e jurídica" aos acampados, o governo utilizou 12,57% (R$ 181 mil) dos R$ 1,4 milhão autorizados.


Texto Anterior: MST invade quatro fazendas em SP, RS e BA
Próximo Texto: Outro lado: Ministro diz que ritmo de gastos está "adequado"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.