São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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DAY AFTER

Mudança frustrada do ministério provoca desarranjo político e pressiona presidente a pensar em reabrir processo

Erosão na base induz Lula a rever reforma

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Desde o supreendente engavetamento da reforma ministerial pensada para reorganizar politicamente o governo ao acúmulo de erros no episódio da MP 232, as últimas decisões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desgastaram ministros e vitimaram até o "invencível" Antonio Palocci Filho (Fazenda).
José Dirceu (Casa Civil), que se fortalecera nas articulações da reforma, acabou desautorizado quando Lula enterrou quase todas elas. Aldo Rebelo (Coordenação Política), demitido e depois confirmado no cargo, ficou fora do recuo final na MP 232 e continua na mira do PT. Palocci vetou uma medida no final da tarde de quarta-feira e Lula o fez aceitá-la na manhã seguinte.
Na opinião de membros da cúpula do governo, essa série de desacertos é fruto da fracassada reforma ministerial e de rompantes de um presidente disposto a decidir cada vez mais de forma solitária. Apesar de Lula dizer que não pretende retomar o tema reforma ministerial, auxiliares e aliados avaliam que, se ele não o fizer, questões que ficaram em aberto poderão piorar o que já está muito ruim: o controle político do governo sobre sua base de sustentação no Congresso.
Ao decidir deixar de fora do primeiro escalão o PP, recusando-se a aceitar o ultimato do presidente da Câmara, o pepista Severino Cavalcanti (PE), para dar uma pasta ao partido ou vê-lo se aliar à oposição, Lula optou por priorizar uma aproximação com o PMDB, partido dividido entre oposicionistas e governistas.
Auxiliares julgam correta a aproximação com todo o PMDB, legenda com 87 deputados federais, dos quais cerca de 45 votam com o governo.
No entanto, avaliam que procurar os oposicionistas e descumprir acertos com os governistas poderá deixar o presidente com menos apoio ainda no partido.
Motivo: o ex-presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP) aguardava a nomeação de sua filha, Roseana Sarney (PFL-MA), para um ministério. Assim, o governo selaria de vez a estabilidade política no Senado, Casa na qual tentará corrigir decisões tomadas pela Câmara, onde a base do governo está em frangalhos.
Em conversa reservada com Sarney e em telefonema a Roseana, Lula prometeu aos dois nomear a senadora. A outros interlocutores, porém, avalia que agora ficou difícil. E Roseana, ao saber das hesitações, diz que, se convidada de novo, pode recusar.

Dirceu e Aldo
Dirceu, ministro que se fortaleceu nas articulações da reforma ministerial, tarefa que Lula lhe delegou, acabou contrariado com o desfecho do processo. Ele deu razão a Lula pela não-nomeação de um ministro do PP após o ultimato de Severino, mas viu outros compromissos firmados por ele serem desconsiderados.
A situação de Dirceu é complexa. Voltou à articulação política por chamado de Lula, fez acertos em nome dele, viu parte deles naufragar. O problema é que os políticos buscam Dirceu mais do que procuram Aldo Rebelo, que continua bombardeado pelo PT. O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), que quase substituiu Aldo, disse na terça-feira com todas as letras que faltava "comando" na Câmara, alfinetando o coordenador político.
Anteontem, Severino procurou Dirceu e propôs reaproximação com Lula. O governador Germano Rigotto (PMDB-RS) pediu uma audiência para tratar da reforma tributária e da aproximação do governo federal com peemedebistas da ala oposicionista, à qual dá apoio. Ou seja, mesmo dizendo que só cuida do gerenciamento do governo, a política acaba na mesa de Dirceu.
Já Aldo, que conduzia com Palocci uma estratégia de rejeição da MP 232 e de apresentar projeto de lei para tentar recuperar parte da perda de arrecadação de R$ 2,5 bilhões anual prevista com os 10% de correção da tabela do Imposto de Renda, ficou fora das negociações para o desfecho de um episódio que foi uma das maiores derrotas de Lula em 27 meses de administração.
O ministro da Coordenação Política, junto com o novo líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), optou por obstruir a votação no Congresso para não ceder à oposição.
Mas Lula, atendendo a sugestão de Dirceu e do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), abandonou essa estratégia e simplesmente recuou. Manteve a correção da tabela do IR e retirou da 232 o aumento de impostos dos prestadores de serviço. Aldo e Arlindo se desgastaram para nada.
Até Palocci, que é considerado o mais habilidoso político do governo e ministro acostumado a contabilizar vitórias, acabou ferido pelo presidente Lula.

Ajuste fiscal
O ministro da Fazenda insistia em preservar alguma compensação à perda de arrecadação com a MP 232, num sinal de manutenção de austeridade fiscal, apesar de não renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional.
Na quarta-feira, Palocci chegou a vetar a saída final do governo para o imbróglio da MP 232, que uniu setores da classe média, do empresariado e da imprensa numa campanha contra o governo, carimbando-o como faminto por mais impostos.
Como a bancada do PT não bancou a posição de Palocci, Lula teve de ceder após um desgaste político que durou três meses. Na semana que vem, outro tema incômodo para Palocci entrará em pauta: emenda constitucional que aumenta repasse da União aos municípios.
Se mantiver o padrão de decisões atrapalhadas e incorretas na área política, com a base de apoio ainda desarticulada e com ministros cujas autoridades são questionadas, o governo corre o risco de sofrer nova derrota na Câmara e de transmitir um sinal de descontrole político e fiscal, avaliam ministros e auxiliares próximos ao presidente.


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