São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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JANIO DE FREITAS

Horrores do caos

Na contramão: a despeito de toda a inculpação escrita e dita todos os dias, nenhum governo, desde que me entendo, investiu mais recursos e esforços pessoais e administrativos na segurança pública do Rio do que os governos Garotinho/Rosinha, nem houve governo federal mais diligente no uso legítimo de seus meios policiais do que o governo Lula.
O assassinato da freira Dorothy Stang fez recair sobre o governo Lula, e em particular sobre o Ministério da Justiça e a Polícia Federal, uma torrente de responsabilizações pela consumação das ameaças à religiosa. Governo é responsável, sim, pela segurança e pela vida de todos. Os assassinatos na Amazônia, de religiosos e ativistas, não se contam mais às dezenas nem às centenas: já são milhares, em série, em cumprimento de sentenças de morte pronunciadas pela mais alta instância da Justiça local -os grileiros e os cortadores/exportadores de madeira nobre, os que fizeram com grandes invasões e falsas compras as maiores propriedades de terra do Brasil e, muitas, do mundo mesmo. Mas os focos de risco também não se contam mais às dezenas nem centenas, são milhares. E não cabem só na Amazônia.
As pessoas que comandam, por sua posição social e econômica de influência, a condenação do aparelho estatal pelas suas omissões e insuficiências são as mesmas que pregam, com êxito, a contenção de gastos governamentais como prioridade absoluta do governo. O resultado na segurança pública é que, em várias operações da Polícia Federal, ocorre a humorística necessidade de que os agentes operem com dinheiro seu. Se antes já precisava de maior quadro de pessoal, com a vasta ampliação de suas atividades a PF está nesta situação inacreditável: sabe onde se localizam inúmeros núcleos de corrupção e contrabando, por exemplo, mas está freada pela falta de pessoal e outros meios decorrente da falta de verbas imposta pelo Ministério da Fazenda (onde está o verdadeiro centro do governo Lula).
A ocorrência de tragédias como a de Dorothy Stang é muito proveitosa para políticos e jornalistas fazerem imagem pessoal admirável, mas não é boa medida para a operosidade ou o relaxamento de governos na segurança pública. São os fatores que devem medir os governos.
O Brasil pode estar com saldo maravilhoso nas contas da Fazenda e do Banco Central, mas, do ponto de vista da segurança pública e da própria vida humana, o Brasil está em estado caótico. Nem mãe de jogador de futebol está isenta da ação de criminosos mesmo que esteja dentro de sua casa. E o que pode fazer o governo paulista, mandar proteção policial para cada mãe de um dos incontáveis jogadores endinheirados? A quantidade de policiais e seus carros nas ruas do Rio, hoje em dia, é impressionante. Mas como policiar todas as ruas e todas as calçadas e esquinas e praças para que não haja lugar aproveitável pelo assaltante?
O estado caótico da insegurança na sociedade tem uma de suas raízes no próprio dispositivo da segurança. Os quadros policiais estão infiltrados a ponto de fazerem, muitas vezes, com que polícia seja tão temida, e pelos mesmos motivos, quanto assaltante e seqüestrador. Uma das ações mais notórias da Polícia Federal, no governo Lula, desmontou em São Paulo uma quadrilha integrada por policiais da sua cúpula no Estado, associados a juizes. Os inquéritos internos na PF nada devem às suas ações externas tão numerosas e bem sucedidas.
A chacina atribuída a policiais em dois municípios vizinhos do Rio e o lançamento de duas cabeças em quartel da PM, também na Baixada, voltam a acentuar a dúvida de saber se o problema maior da insegurança, no Rio, está na criminalidade comum. Um dos feitos mais positivos, nos últimos anos da ação contra o crime na cidade, é o duro esforço de limpeza das polícias, como jamais foi ousado antes. Nos últimos quatro a cinco anos, foram cerca de mil expulsões completadas, sem contar os processos em andamento na corregedoria policial e no Judiciário. Isso, apesar do corporativismo que dificulta, com freqüência, tanto a investigação como a condenação. A chacina e o crime das cabeças, por sinal, foram reações ao rigor afinal aplicado a um batalha da PM na Baixada.
O desespero compreensível, aliado à sensação de impotência, move conclusões mal fundadas, e inculpações nem sempre justas com o poder público. No caso do Rio, essa tendência é agravada por interesse de grupos políticos/ empresariais que pretendem tomar o poder, todos os poderes, na cidade e no Estado, e por setores do catolicismo inquieto com o crescimento das igrejas evangélicas. São duas forças com poderosa influência em todos os tipos de comunicação pública, já voltadas também para a desfusão dos ex-Estados do Rio e da Guanabara. Ou seja, uma coisa é o problema da criminalidade, outra são os variados propósitos e formas de sua exploração.
O caos é complicado, valha o truísmo.

Espeto de pau
Como sempre, o Rio paga. A chacina nos municípios de Nova Iguaçu e de Queimados foi assim noticiada, como sempre, pelo "The New York Times": "30 mortos em ruas do Rio". Quando comecei o velho sorriso, em homenagem à não menos velha opinião pessoal e profissional sobre o NYT, dei com esta outra manchete de primeira: "Massacre no Rio deixa 30 mortos". No meu jornal, como costumam dizer os jornalistas.


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