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VIZINHOS EM CRISE
Ministro admite atrito e vê "déficit institucional" no Mercosul
Governo argentino ataca
política externa brasileira
SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES
O governo do presidente argentino, Néstor Kirchner, lançou ontem uma ofensiva contra a política externa brasileira.
O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Rafael Bielsa,
admitiu atrito na relação dos dois
países, desdenhou a Comunidade
Sul-Americana de Nações -projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva- e cobrou "resposta
satisfatória" do Brasil nas negociações de comércio bilateral.
"Temos um déficit institucional
no Mercosul que achamos que
deve ser solucionado antes de dar
vazão à Comunidade Sul-Americana de Nações", disse.
A Argentina classifica como
"déficit institucional" a existência
de "assimetrias econômicas" entre os países do Mercosul. O argumento é que, em troca da liderança, o Brasil deve investir no desenvolvimento de seus sócios (Argentina, Paraguai e Uruguai).
"Vamos insistir [no combate às
assimetrias], apesar de que o que
estamos pedindo não é nem mais
nem menos do que o cumprimento de uma norma [o Tratado
de Assunção, que fundou o Mercosul]", disse o chanceler.
Depois de dizer que "sempre há
idas e vindas" na relação de Brasil
e Argentina, Bielsa disse: "Sem
dúvida, esta é uma vinda". As declarações do chanceler foram dadas de Washington a rádio de
Buenos Aires. Ele participou ontem da eleição para a secretaria-geral da OEA (Organização dos
Estados Americanos), vencida
pelo chileno José Miguel Insulza.
No fim de semana, Bielsa se reuniu com seis veteranos embaixadores argentinos, para discutir o
rumo que deveria tomar a relação
diplomática com o Brasil.
A mudança de atitude teria sido
solicitada pelo presidente Kirchner, supostamente farto das iniciativas de liderança regional de
Lula, segundo divulgou a imprensa argentina.
"Se há um lugar na OMC [Organização Mundial do Comércio], o
Brasil quer; se há um lugar na
ONU [Organização das Nações
Unidas], o Brasil quer; se há um
lugar na FAO [Organização das
Nações Unidas para a Agricultura
e Alimentação], o Brasil quer. Até
o papa eles quiseram eleger", disse Kirchner a "homens de confiança", diz o jornal "Página 12".
Procurada pela Folha, a assessoria de Kirchner disse que "não
confirma nem desmente" a afirmação. A Embaixada do Brasil
em Buenos Aires, em declaração
oficial, negou o conflito.
"O diálogo entre o governo brasileiro e o governo argentino é
fluido, próximo e franco. As matérias de imprensa sobre supostas
divergências não correspondem
ao nível de excelência e amizade
que continuamos a observar em
todos os contatos oficiais."
Estratégia
Segundo a Folha apurou, a diplomacia brasileira na Argentina
considera que a retórica de Bielsa
sobre o Brasil é carregada por boa
dose de estratégia política interna.
O chanceler argentino é tido como a maior aposta de Kirchner
nas eleições legislativas do próximo mês de outubro. A pedido de
Kirchner, ele deve deixar em breve o ministério e se lançar candidato por Buenos Aires.
Com nomes de respaldo popular, como o de Bielsa e o de sua
própria mulher, a senadora Cristina Fernández de Kirchner, o
presidente argentino busca recompor sua base no Congresso e
quebrar a hegemonia no PJ (Partido Justicialista) do ex-presidente Eduardo Duhalde (2002).
Duhalde articulou a eleição de
Kirchner em 2003. Hoje, é seu rival na legenda peronista. O projeto de unir os países da região em
torno da Comunidade Sul-Americana de Nações, ao qual Kirchner se opõe, foi impulsionado por
Lula, em parceria com Duhalde.
A Argentina criticou o fato de,
na mediação da crise política no
Equador, o Brasil atuar com respaldo da Comunidade Sul-Americana de Nações, e não sob o
guarda-chuva da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Bielsa foi convidado pelo chanceler brasileiro, Celso Amorim, a
acompanhá-lo na missão diplomática a Quito. O argentino recusou o convite.
Constrangimento
Na sexta passada, o episódio
deu tom de constrangimento ao
encontro de Cristina Kirchner
com o ministro da Casa Civil, José
Dirceu, e o assessor para Assuntos
Internacionais da Presidência,
Marco Aurélio Garcia, em Montevidéu (Uruguai).
Em intervalo do encontro de
partidos progressistas e governos
do Cone Sul, Garcia avisou Dirceu
que Cristina o esperava para almoçar. Dirceu respondeu que iria
"depois" e falou durante 30 minutos com a imprensa brasileira.
Terminaram almoçando em mesas separadas.
Garcia não quis comentar a decisão de Bielsa de não viajar a Quito. O chefe de gabinete de Kirchner, Alberto Fernández, escalou o
embaixador Eduardo Sigal, para
explicar a decisão.
Sigal, que é subsecretário de Integração Econômica e Mercosul,
disse que Bielsa tinha viagem previamente agendada para a Guatemala e para os EUA.
Duas semanas antes, em Brasília, o embaixador foi mais direto.
Na reunião de chanceleres da
América do Sul, à qual Bielsa faltou, Sigal advertiu: a Argentina
quer avanços no Mercosul, não na
Comunidade Sul-Americana de
Nações.
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