|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VIZINHOS EM CRISE
Governo federal não quer criar problemas para Mercosul
Brasil opta por "boa vizinhança"
e evita embate com Argentina
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O Planalto e o Itamaraty decidiram "desdramatizar" em público
o que chamam de "caneladas" da
Argentina, mas destacaram o vice-chanceler Samuel Pinheiro
Guimarães para reclamar a portas
fechadas com o seu correspondente argentino, Jorge Taiana. A
oportunidade surgiu ontem, num
encontro marcado anteriormente
entre os dois, no Rio. Taiana, porém, não compareceu.
Além da informação do jornal
argentino "El Clarín" de que os
embaixadores do país estão sendo
orientados a endurecer contra o
Brasil, as ausências do presidente
Néstor Kirchner e de seu chanceler, Rafael Bielsa, em reuniões articuladas pelo Brasil estão se tornando rotineiras.
Apesar disso, a estratégia brasileira foi resumida assim para a
Folha por um dos seus articuladores: "Quando um não quer,
dois não brigam". A Argentina
pode querer "brigar", mas o Brasil
se recusa a isso, sob dois argumentos: é preciso ter "grandeza",
porque um país é muito maior e
mais forte do que o outro; não interessa criar mais problemas para
o já combalido Mercosul.
Pinheiro Guimarães, considerado duro nas relações com os EUA,
é o principal mentor dessa estratégia de tratar suavemente as seguidas provocações argentinas.
Ele, o chanceler Celso Amorim e o
assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, afinaram o discurso público de "boa
vizinhança", contra o confronto.
"Acho que há momentos em
que podemos até ter abordagens
diferentes em relação a determinados temas, mas, no essencial,
têm sido muito semelhantes. Não
vejo essas coisas com muita preocupação", disse Amorim ontem
em Paris, conforme degravação
de sua entrevista.
Ele está na França para reuniões
no âmbito da OMC (Organização
Mundial do Comércio) e até disse
que "causou incômodo" ver um
mapa europeu englobando as
ilhas Malvinas, controladas pelo
Reino Unido, mas ainda disputadas pelos argentinos. "Vamos ver
como a América do Sul vai reagir
a isso", disse, em tom amistoso
em relação aos vizinhos.
Mais energia
Os comandantes da estratégia
"de paz" adotaram o tom ameno
com os argentinos desde o ano
passado, quando estourou a
ameaça de veto do vizinho à importação de fogões e geladeiras do
Brasil. Começa a surgir, porém,
uma pressão velada de setores do
próprio Itamaraty para uma reação "mais enérgica".
Está praticamente decidido, por
exemplo, que, se houver alguma
declaração oficial, seja de Kirchner, de Bielsa ou de alguém do
primeiro escalão, terá chegado a
hora de "reagir à altura". Defensor desse endurecimento é Luiz
Fernando Furlan (Desenvolvimento). Enquanto o Planalto se
manifesta politicamente e o Itamaraty vê a questão com olhos diplomáticos, Furlan prefere a ótica
empresarial, mais agressiva.
Comércio favorável
As relações comerciais entre os
dois países são francamente favoráveis ao Brasil. Em 2004, as exportações brasileiras aumentaram 62% e bateram no recorde de
US$ 7,4 bilhões no ano, enquanto
os argentinos só exportaram
US$ 4,6 bilhões para o Brasil.
Há, ainda, o Mercosul, bloco
originalmente formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai
e considerado a principal alavanca da tentativa brasileira de buscar protagonismo na agenda
mundial. Na quarta-feira da semana passada, Amorim fez uma
longa exposição sobre o bloco no
Planalto. Foram dez ministros.
Há consenso de que, sem Argentina, não há Mercosul. E, sem
Mercosul, o Brasil perde parte da
força e do embalo como "líder regional" e "líder em ascensão", como disse a secretária de Estado
dos EUA, Condoleezza Rice.
Ausências
Ninguém acredita que a nova
investida argentina seja por causa
da mudança econômica no Brasil.
No vôo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva para o enterro do papa João Paulo 2º, com os seus antecessores Fernando Henrique
Cardoso e Itamar Franco, já criticava-se o "temperamento difícil e
imprevisível" de Kirchner.
Ele faltou à cúpula de América
do Sul e Caribe, no Rio, em novembro passado, não apóia a pretensão brasileira de ter um assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU, desdenhou a
candidatura brasileira para dirigir
a OMC (Organização Mundial do
Comércio) e ironizou a ida de Lula ao enterro do papa. Em nota,
disse que era pagamento de uma
"dívida pessoal". Bielsa faltou aos
dois últimos compromissos acertados diretamente com Amorim.
Texto Anterior: Lula afirma não "abrir mão" de liderança do Brasil Próximo Texto: Diplomacia: Ausências esvaziam cúpula árabe Índice
|