São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Ciro e Serra

Os dois são melhores do que estão se mostrando. Mas o que estão mostrando é autêntico, é um lado conhecido e incontestável do temperamento de cada um deles. Em alguns pontos desse lado, os dois são mesmo quase idênticos.
Foi como ministro da Fazenda, no governo Itamar Franco, que Ciro Gomes começou a revelar sua personalidade fora do Ceará. Em Brasília e nas muitas viagens que então fez a várias capitais, exibiu uma atitude nova em ministros da Fazenda: não se mostrou desfrutável aos e às jornalistas. Atitude muito positiva, mas que se fez acompanhar, com frequência, de asperezas desnecessárias diante de perguntas tolas, que são a grande maioria. E, sobretudo, quando confrontado com algum sentido crítico.
Já àquela altura, Ciro Gomes deixou a impressão de que também ele, como a quase totalidade dos políticos, posto ou se sentindo sob tensão torna-se susceptível de destemperos em graus variados, mais do que à argumentação. Numerosos momentos da sua campanha têm confirmado e ampliado a impressão de impulsividade verbal, às vezes por franqueza, de outras por evidente e mal colocada irritação, ao menos em relação aos momentos em que eclode. Ciro Gomes, não há dúvida, é arrebatado e nisso, como nos traços anteriores, identifica-se a presença do componente autoritário.
Longe de mim afirmar que tais características de personalidade sejam necessariamente negativas ou, se o forem, que o sejam sempre. Mas que assumem aparência negativa em se tratando de candidato, isso está demonstrado. Tanto mais se a mídia está toda predisposta a explorar qualquer deslize. Está aí o caso, explorado há dias e dias, do "burro" aplicado por Ciro Gomes a um eleitor desconhecido. É a sua versão do "neoburro" dirigido por Fernando Henrique Cardoso, indiretamente, a Luiz Inácio Lula da Silva e repetido em relação aos críticos do seu sempre crítico governo -mas entre o burro e o neoburro a mídia vê grande diferença.
José Serra mostra menos o seu temperamento. Sua sensibilidade ao que tome como crítica -não precisa ser crítica, propriamente- está entre os casos extremos. Mas a reação é formalmente oposta à de Ciro Gomes. José Serra reage quase em surdina, criando um segundo tempo para agir. Isso em nada diminui a força da reação, dá-se mesmo o contrário, como tantos jornalistas têm experimentado.
Em todas as redações há sempre algum novo episódio a comentar, na relação conflituosa de José Serra com jornalistas. Ninguém telefona mais, todos os dias, para dirigentes de mídia e editores do que Serra. A crônica lhe debita prejuízos sofridos por profissionais sérios e créditos, estes escassos mas efetivos, para certas carreiras.
Na relação com o exercício do jornalismo, entre José Serra e Ciro Gomes há total diferença de maneiras e muita de objetivos, mas não da conflituosidade. Bem, há uma diferença adicional, esta por parte da mídia: é a diferença de tratamento, entre a tolerância silenciosa e o rigor.
A relação de José Serra com a mídia contém o mesmo elemento que contribuiu, e muito, para o PSDB tornar tão difícil o seu percurso até a indicação como candidato. É a imagem de prepotência que José Serra projeta.
Nos ataques a Ciro Gomes, José Serra não está adaptando uma atitude momentaneamente necessária. Mudou o estilo de praticar o seu temperamento.
É deplorável que José Serra e Ciro Gomes estejam exibindo o que neles não é o melhor.


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