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JANIO DE FREITAS
O loteamento
Não esquecer o que Lula disse sobre como se deve montar um governo permitirá avaliar precocemente a sua gestão
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PERDEU-SE NA apatia geral
uma peça de oratória particularmente valiosa nas obras
completas da retórica presidencial
de Lula. Desde que torceu o pé e o
engessou, por alguma razão obscura o presidente não dá aos seus improvisos o tratamento habitual.
Mas o discurso mais relevante dos
últimos tempos contava, ainda,
com os dois pés e a cabeça em plena
forma para atacar o improviso. E
outra coisas também.
Foi o discurso, de propósitos confessionais e didáticos, feito em encontro com seus 16 aliados eleitos
ou reeleitos governadores. Foi a
reunião que Lula não conseguia decidir se fazia, para agradar logo os
governadores eleitos, ou se adiava
até depois das posses, para não desagradar os governadores atuais. As
circunstâncias decidiram por ele,
como de costume, e a mídia ficou
seduzida, não pelo discurso, mas
por uma frase à margem: "Se alguém quiser fazer oposição a mim,
faça em 2010, quando eu não serei
mais candidato".
No discurso, Lula ensinou coisas
muito úteis, das quais, porém, bastam aqui uns poucos exemplos,
porque graças a Deus não vamos
governar coisa alguma. "Convidar
alguém para ocupar um cargo", Lula revelou, "é muito fácil". Mas tirar
alguém é tão difícil que, "nessa hora, é relação de chefe de Estado",
não de amigo. Logo, um "conselho
aos nossos governadores novos:
montar um governo é 50% do sucesso do governo". E, se ele não nos
ouve, do insucesso também. O que
explica pelo menos metade do que
levou o governo a manter o Brasil
como recordista mundial em juros
destruidores e, nas Américas, só
melhor do que o faminto Haiti em
crescimento econômico. Bem, e os
outros 50%? Lula não ensinou. Talvez por achar que, estando ali, já expunha uma explicação viva.
Oferecidos vários ensinamentos
assim profundos, chegou a parte
que mais nos interessa, a nós governados. "Aprendi uma lição", começou o novo capítulo. Pausa. Suspense da platéia, mas valeu a pena, pela
revelação que se seguiu: "A máquina pública, quanto mais eficiente
ela for, quanto mais qualificada ela
for, mais fácil será para o governante governar". Valia mesmo a pena o
desperdício de tempo e dinheiro
dos recém-eleitos para viajar a Brasília e ouvir as descobertas e orientações do presidente.
E então chegou o ponto a ser memorizado menos pela platéia do
que por nós, governados.
"A gente tem que convidar as
pessoas mais qualificadas para a
função que o Estado brasileiro
precisa. Ao invés de procurar
apenas amigos, procurem quem
está esperando uma chance. Vamos
perceber que na máquina pública
brasileira há pessoas da mais alta
qualificação à espera de uma oportunidade."
Nas últimas semanas, a principal
ocupação do autor de tais frases é
negociar pedaços do governo com
os grupos antagônicos de peemedebistas, para formar a aliança PT-PMDB. A cada dia os peemedebistas, estimulados pela dependência
confessada por Lula, aumentam um
pouco mais o preço de um dos seus
grupos. Ao que os outros, para manter a posição, logo acompanham.
As exigências vazadas, antes de
encerrar-se a semana, já estavam
em sete a oito ministérios, todos os
cargos de nomeação nesses ministérios, presidência (Eletrobrás) e diretorias em estatais (várias na Petrobrás) e liberação assegurada de verbas orçamentárias apresentadas por
peemedebistas.
Não esquecer o que Lula disse sobre a necessidade de montar cada
governo com as pessoas qualificadas
de que o Estado já dispõe, e que esperam uma oportunidade, tem dupla utilidade: permitirá avaliar precocemente o seu governo, tão logo
anunciados os integrantes, e saber
se Lula ainda merece algum crédito.
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