São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2009

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ELIO GASPARI

Os aerocratas estão derrotando a Anac


Se Jobim e a doutora Solange não partirem para a briga, repetirão o desastre do apagão aéreo de 2007

O ANO começa com uma boa briga: ou o ministro Nelson Jobim, da Defesa, e a presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Solange Vieira, botam o bloco na rua e partem para um debate público com a TAM e a Gol, ou serão condôminos de um novo apagão aéreo.
A briga está nos bastidores do governo, revestida num desagradável clima de feijoada. A "Operação Feliz 2009", anunciada por Jobim em novembro, terminou num redondo fracasso. No Natal, a Gol martirizou seus fregueses atrasando mais da metade de seus voos.
Se a política de ressarcimento prometida por Jobim em dezembro de 2007 não tivesse sido arquivada, o doutor Constantino Júnior estaria obrigado a compensar os passageiros pelo transtorno que lhes impôs. Coisa simples: o cidadão que penasse um atraso de três a quatro horas num voo de Brasília para o Rio, receberia R$ 198 em dinheiro ou milhas. Infelizmente esse projeto dorme o sono dos espertos na Casa Civil da Presidência da República.
Noutra frente, o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias conseguiu na Justiça o congelamento de uma resolução da Anac que permitia a redução de tarifas nos voos internacionais. Pelo plano, as companhias poderiam oferecer descontos que iriam de 20% neste mês a até 80% em julho, chegando-se em 2010 a uma completa liberação das tarifas. Um bilhete de ida e volta para a Europa, que hoje tem um piso tabelado em US$ 869, poderia cair para US$ 434 em abril, ou mesmo US$ 174 em julho.
A TAM, principal interessada em bloquear os descontos, argumenta que eles permitiriam uma concorrência predatória. Faz sentido, mas era exatamente esse o argumento da Varig em 1995, quando o comandante Rolim Amaro, fundador da TAM, lançou sua política de descontos e a bonificação de um voo grátis para cada dez percursos na Ponte Aérea Rio-São Paulo. Rolim sofreu nas mãos dos aerotecas que protegiam a Varig com sua teia de relações incestuosas com o poder público. Hoje a TAM é a maior companhia aérea do país, mas tomou horror à concorrência.
A Gol, que entrou no mercado oferecendo serviço simples e tarifas camaradas, transformou-se numa empresa de serviço deplorável e tarifas elevadas. Infelizmente, seu dono, o empresário Nenê Constantino, saiu do noticiário que acompanha as empresas modernas, transferido para a cobertura de antigos homicídios.
Se Jobim e Solange Vieira não levarem a briga para a vitrine da opinião pública, os interesses dos aerocratas prevalecerão. O resultado será o de sempre: oligopólio, mau serviço, tarifas altas e, ao final, a chegada das empresas ao cemitério onde repousam a Varig, a Transbrasil e a Vasp.

O derivativo eleitoral de Kassab e Serra

A aliança de Gilberto Kassab com o comissário Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo, mostra que, se o PT é capaz de tudo, a oposição é capaz de um pouco mais.
Com o beneplácito do governador (e candidato a presidente) José Serra, Kassab emprestou dois vereadores ao prefeito petista, dando-lhe maioria na Câmara local. Em troca, o DEM poderá receber uma secretaria. O acordo teria sido feito em nome da harmonia administrativa na região metropolitana de São Paulo.
Marinho foi um astucioso ministro da Previdência e saiu da eleição com o capuz de candidato mais caro do país. Gastou R$ 47 para cada um dos 195 mil votos recebidos. Mais: seu caixa cacifou parte das campanhas de 242 candidatos a vereador de 11 partidos. Apesar disso, não conseguiu formar maioria na Câmara local.
Serra e Kassab criaram um novo tipo de derivativo, o eleitoral. Eles haverão de reconhecer que os 5.500 votos dados pelos eleitores de São Bernardo aos dois vereadores do DEM acabaram negociados no mercado secundário.

LULA WATCH
Nosso Guia começou a usar no pulso um patacão negro capaz de fazer inveja à torre da Central do Brasil.
Os relógios de Lula são sua demonstração explícita de gosto pelo consumo. O repórter Orlando Brito, com mais de 40 anos de experiência e observação dos costumes dos presidentes, já fotografou oito modelos. Nenhum deles vale o Breitling de Fernando Collor (US$ 4.000 para um Chronomat), ou o Rolex de ouro do general João Figueiredo, presente de um amigo, aliviado por um ajudante de ordens. José Sarney foi o único presidente que atravessou o mandato com o mesmo relógio. Brito já se divertiu acompanhando a fidelidade cromática de Itamar Franco. Se vestia paletó azul, o sapato também era azul.

VIUVEZ REPUBLICANA
Se a costura diplomática chegar a bom termo, Lula e Barack Obama encontram-se em março, quando Nosso Guia deverá viajar a Nova York com uma comitiva de empresários.
Pelo lado americano, sente-se que a agenda do novo presidente ainda está indefinida. De qualquer forma, Obama sabe mais do Brasil que Bush. (Ele não sabia que em Pindorama há negros.) Pelo lado brasileiro, renasceu o risco da viuvez republicana. Ou, como diria o chanceler Celso Amorim, saudades da "minha amiga Condi", numa referência à secretária de Estado Condoleezza Rice, que já o chamou de "ministro Santos".

MEDO DE QUÊ?
A cartolagem olímpica está jogando pesado para impedir a instalação da CPI do Esporte, proposta por Miro Teixeira. Mede-se a necessidade de uma CPI pela quantidade e a qualidade das pressões mobilizadas contra ela.

MÃE DA BANCA
Um retrato da política econômica de Lula, o pai dos pobres e mãe da banca:
Em 2008 o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, que capta a poupança compulsória de quase 30 milhões de trabalhadores, rendeu 4,52%. Perdeu para a inflação de 6,2%.
O cidadão que tentou proteger seu patrimônio numa caderneta de poupança obteve um rendimento de 7,9%. Há mais de 75 milhões de cadernetas, a maioria nas mãos do andar de baixo, com saldos inferiores a R$ 100. Assim, um trabalhador que tinha R$ 1.000 no FGTS e outros R$ 1.000 na poupança, fechou o ano sem ganhar um ceitil e corre o risco de perder o emprego numa firma beneficiada por financiamentos tirados do FGTS.
No andar de cima, onde mais de 10 milhões de aplicações estão em fundos alimentados pela taxa de juros do Copom, o rendimento ficou em 12,3%.

MAROLINHA TERRENA
Em novembro, quando esteve com o papa Bento 16, Nosso Guia sugeriu-lhe que desse "um conselhozinho" ao mundo para debelar a crise econômica. Na sua mensagem de Ano Novo, o Santo Padre pediu "uma profunda revisão no modelo dominante de desenvolvimento".
Bento 16 falou como líder espiritual, mas suas palavras ecoam dificuldades terrenas. Em setembro a Santa Sé tinha mais da metade do seu tesouro mobiliário em papéis. Algo como 520 milhões. Além disso, fechou 2008 no vermelho pelo segundo ano consecutivo. Admite-se que o Vaticano venha a fazer uma reforma da Previdência, elevando de 75 para 78 anos o limite da idade para a permanência dos bispos no serviço ativo.


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