São Paulo, segunda, 4 de janeiro de 1999

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DESPERDÍCIO
Dinheiro que deveria ser aplicado em assistência ao trabalhador patrocina filme, show e campos de futebol
Sesi e Sesc desviam recursos, diz TCU

OSWALDO BUARIM JR.
DANIEL BRAMATTI
da Sucursal de Brasília

A aplicação irregular de verbas do Sesi (Serviço Social da Indústria) e do Sesc (Serviço Social do Comércio) ainda é uma prática comum no país.
Financiamento de filme, patrocínio de show em Nova York e pagamento de despesas de entidades empresariais são exemplos de como são gastos recursos que deveriam se destinar à assistência social de empregados da indústria e do comércio.
Os exemplos constam de auditoria por amostragem feita pelo TCU (Tribunal de Contas da União), com dados de 1995 a 1998.
Com orçamentos anuais próximos a R$ 500 milhões, o Sesi e o Sesc são vinculados à CNI (Confederação Nacional da Indústria) e à CNC (Confederação Nacional do Comércio) e geridos pelas federações estaduais de empresários.
Devido aos desvios, está se deteriorando a qualidade dos serviços prestados ao público-alvo das entidades do chamado sistema "S".
Além de gastos irregulares, a auditoria também constatou a existência de práticas que beneficiam empresas privadas e provocam perdas de receita.
O Sesi paulista, por exemplo, perde cerca de R$ 20 milhões por ano ao dar desconto de 8% nas contribuições de empresas (1,5% sobre a folha de pagamentos).
O desconto é dado às empresas que pagam a contribuição diretamente ao Sesi. Se a arrecadação fosse feita pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que recolhe as contribuições sobre a folha e repassa a receita para as entidades cobrando taxa de apenas 3,5%, a perda seria bem menor.
Em 1996, segundo a auditoria, o Sesi paulista "transferiu" R$ 20,8 milhões a empresas privadas por conta do desconto por arrecadação direta.
Em Minas Gerais, a lista de despesas do Sesi incluiu itens que não trazem nenhum benefício aos trabalhadores da indústria. Em 1996, foram gastos R$ 20 mil no patrocínio de um show de Milton Nascimento na Brooklyn Academy of Music, em Nova York.
O jornalista Pedro Bial foi contemplado com patrocínio de R$ 496 mil para dirigir um filme e uma série de televisão sobre a vida do escritor Guimarães Rosa.
A série, segundo o TCU, era de interesse exclusivo da Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais), pois sua produção estava vinculada à realização do Encontro das Américas.
A Fiemg foi uma das participantes do evento, que reuniu ministros e empresários do continente em Belo Horizonte, em 1997.
A entidade também aparece como co-patrocinadora do filme de Bial -"Os Nomes do Rosa"-, embora apenas o Sesi tenha desembolsado dinheiro.
Futebol e tobogãs
No Rio Grande do Sul, o Sesc gastou R$ 710 mil com a construção de dois minicampos de futebol. Do total, R$ 280 mil foram gastos com a importação de grama sintética da França, "considerando-se o fato de o Rio Grande do Sul possuir grama natural de excelente qualidade, a custo bem inferior". Outros R$ 450 mil foram aplicados na instalação de tobogãs em piscinas na sede campestre da entidade.
"Cabe analisar se os recursos despendidos nos dois empreendimentos citados, e que alcançam R$ 1,16 milhão, não seriam mais bem empregados em atividades de maior sentido social, nas áreas de saúde ou assistência", afirma o relatório do TCU.
A auditoria constatou ainda desvios de recursos para financiar entidades patronais. Os desvios ocorrem de maneira indireta, com pagamento de funcionários que atuam em federações empresariais e cessão de imóveis a preços abaixo do valor de mercado, por exemplo.
O Sesc do Distrito Federal gastou, em 1996, R$ 21 mil por mês com o pagamento dos salários de 11 funcionários cedidos à presidência da Fecomércio (Federação do Comércio do DF).
Juntamente com o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), o Sesc arca com 90% dos custos do jornal da Fecomércio, segundo o relatório.
Em São Paulo, os técnicos do TCU verificaram que o Sesi só reajustou os aluguéis que cobrava do prédio onde estão instalados a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e o Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) depois que a Folha mostrou, em maio de 1996, os baixos valores cobrados das entidades empresariais.
Dois meses depois da publicação da reportagem, o aluguel do metro quadrado passou de R$ 9 para R$ 20, preço considerado razoável em relação aos valores de mercado.
O relatório ressalta, porém, que não houve reajuste dos contratos de outras áreas alugadas a entidades patronais a "preços simbólicos" -R$ 0,22 a R$ 0,38 por metro quadrado, em 1996.
Ainda em São Paulo, o TCU inspecionou a compra e a conclusão de um hotel, pelo Sesi, em Presidente Epitácio (680 km de São Paulo), próxima à divisa do Estado com o Mato Grosso do Sul.
Em maio de 1996, a Folha revelou que o hotel não era explorado desde o final da construção, ocorrida 17 meses antes. O TCU comprovou a realização de um mau negócio. Segundo o relatório, o custo da compra e da conclusão chegou a R$ 16,9 milhões, quando o preço de mercado do empreendimento não passava de R$ 6 milhões.
Outras irregularidades foram constatadas pela auditoria realizada pelo TCU no Sesc do Distrito Federal e de Pernambuco e no Sesi do Piauí e de Sergipe (veja quadro ao lado).


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