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JANIO DE FREITAS
Os princípios e os fins
Mesmo entre os que lamentam a inexistência de combate efetivo à corrupção, muito
poucos chegariam a considerar
que esta deve ser a prioridade
das prioridades nacionais. E, no
entanto, é assim: só o extermínio da corrupção permitirá que
se solucionem os problemas que
mantêm o Brasil amarrado às
desigualdades regionais e sociais, à falta de emprego, de saúde, de educação, de saneamento
e de futuro. Uma tese que nada
tem a ver com moralismos.
Moralismo, denuncismo, udenismo, no sentido mais pejorativo destas e de palavras equivalentes, é a qualificação frequentemente aplicada aos que se dispõem, em variados graus e modos, a se opor à corrupção, façam-no como procuradores da
República ou estaduais, no Judiciário, no jornalismo e, muito
ocasionalmente, na administração pública.
Em geral, não é difícil identificar motivos pessoais, passados
ou presentes, nos que preferem
-ou precisam- que à corrupção só se oponham aparências
de inaceitação. A tal ponto vai
essa hipocrisia, que o melhor enfoque para uma história da imprensa do último meio século,
no Brasil, a meu ver é o do confronto entre corrupção e anti-corrupção no jornalismo e em
numerosas empresas do ramo.
Dessa contraposição têm decorrido até os avanços e os retardos
técnicos do jornalismo por aqui.
Tal é o panorama brasileiro,
considerando-se a corrupção a
partir de ótica moral, ética, política ou, para quem precise de
outras palavras, ótica moralista,
denuncista ou lá o que interesse.
É indissociável de todos esses aspectos, porém, a sua implicação
social em países carcomidos pela pobreza paralela à insuficiência de recursos governamentais.
Caso em que o Brasil é multicampeão mundial.
No ano passado, um estudo
econômico estimou em R$ 6 bilhões a quantidade de dinheiro
público desviado pela corrupção, a cada ano. Se convincente
tal estimativa, já seria um montante monstruoso. Não convence, porém. Condena-se por otimismo em relação ao que se
passa, de fato, na administração
pública. Nos níveis federal, estadual e municipal.
Cada ato administrativo corrupto inclui dois desvios de dinheiro: o superfaturamento e a
comissão para os que o permitem, na administração pública.
Pode-se crer que haja contratos
e compras corretos, pode-se até
admitir, em inflação de fé, que
sejam em número apreciável.
Mas os controlados pela corrupção são ferozes. Na média entre
transações corretas e fraudulentas, bastaria que superfaturamento e comissões ficassem nos
tradicionais 10%, para que
aqueles R$ 6 bilhões já subissem
umas dez vezes. Por ano. Só na
administração federal.
A média geral de 10% nas despesas, excetuados os gastos com
funcionalismo, será considerada insignificante por muitos que
têm idéia, indireta embora, do
que costumam ser, por dentro,
os nossos governos. Para os demais, que talvez considerassem
a média de 10% excessiva, lembre-se que o preço pago para cada quilômetro de estrada, no
Brasil, daria para pagar pelo
menos dois quilômetros, e quase
sempre mais que isso. Ou seja, o
preço é superfaturado em pelo
menos 100%, como a Folha deixa demonstrado com a vasta série de fraudes desmascaradas
em concorrências públicas e em
compras e contratos diversos.
Entre administrações estaduais e municipais menos corrompidas e as outras, a média
de desvio de dinheiro público
não há de ficar distante do que
se passa no plano federal. Na
melhor hipótese. Logo, a massa
de dinheiro público transferida
pela corrupção para bolsos privados e cofres empresariais, a
cada ano, só é estimável na casa
de centena de bilhões. Centenas,
no plural.
Não falta dinheiro, no Brasil,
para os governos atacarem todos os problemas e em poucos
anos os resolverem. O dinheiro é
entregue aos governos como pagamento de impostos e grande
parte dele é furtada para os bolsos privados da corrupção. E os
grandes furtados são os assalariados, os aposentados, os que
menos têm: os maiores pagadores de impostos no Brasil, os únicos que, mesmo se o desejassem,
não teriam como sonegá-los.
O dinheiro para solução dos
problemas existe, mas é furtado
nas obras, em terceirizações,
compras, contratos, em financiamentos privilegiados, em
subsídios injustificáveis, no acobertamento das muitas formas
de sonegação e tanto mais. É o
oceano de dinheiro da corrupção movimentado entre quem
se beneficia e quem facilita.
Por isso, de minha parte entendo que se opor frontal e rigidamente à corrupção é, em termos pessoais, questão de princípios e, em termos mais amplos,
questão de justiça social. Poderia acrescentar que penso o jornalismo como função de responsabilidade social, mas nem é necessário, nem a responsabilidade social se restringe ao jornalismo.
A permanência das desigualdades regionais e pessoais, a falta de saúde, educação, emprego
e suas consequências -a favelização, a violência urbana, a
péssima qualidade de vida nos
centros urbanos- são frutos da
corrupção. São a obra dos corruptos -os pagadores, os recebedores e os seus protetores.
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