São Paulo, quinta-feira, 04 de março de 2010

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ANÁLISE

Defesa do Teerã reforça isolamento brasileiro

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A defesa da posição iraniana feita ontem pelo presidente Lula e pelo ministro Celso Amorim durante a visita de Hillary Clinton aumenta o isolamento de uma diplomacia que gostava de se vender como uma das mais ponderadas do Ocidente, a brasileira. E reforça a desconfiança sobre o que está por trás do que à primeira vista parece miopia ideológica temperada com antiamericanismo de centro acadêmico.
A quase deselegância de Amorim com Hillary ontem coroa, para seus admiradores, uma suposta altivez do país emergente contra a potência imperialista. Para críticos menos deslumbrados, soberba.
O caso do Irã condensa a era Amorim. O Brasil insiste que os EUA fazem com Teerã o mesmo que fizeram ao provocar a guerra no Iraque em 2003. A premissa é falsa. Há anos que a porta para o Irã está aberta, especialmente a partir de Obama, e tudo o que o regime fez foi emular o balé da Coreia do Norte rumo ao teste nuclear.
Nem a aliada Rússia compra hoje pelo valor de face suas promessas, unindo-se à pressão mundial contra os iranianos. Soberania nacional é a argumentação básica do Brasil: tanto autoridades quanto gente do entorno do Planalto falam que, se abandonarmos o Irã, amanhã será a nossa vez. Seria apenas constrangedor, dada a ficha corrida do regime repressor e retoricamente genocida de Ahmadinejad. Mas pode levar a questionamentos sobre os reais interesses nucleares brasileiros, e Constituições não são intocáveis.
Na retórica governista, discordar disso implica ignorar a hipocrisia americana de pedir o desarmamento enquanto é capaz de destruir o mundo "x" vezes. Significa esquecer que Israel exerce repressão contra os palestinos e já é uma potência nuclear (ainda que não prometa varrer alguém do mapa). Que temos de desconfiar dos grandes. Todas essas são verdades, mas elas não deveriam servir para escamotear ingenuidade ou coisa pior.
Lembrarão ainda os lulistas que vendemos mais para o Irã hoje (quase nada, mas vá lá), como se política externa fosse trabalho para mascates. É significativo que tudo isso aconteça num período em que Lula tripudia de um preso político morto em Cuba e um cineasta dissidente é preso em Teerã.
O Brasil rompeu com Washington? Claro que não, a agenda é muito mais extensa que isso. Mas hoje a relação amanhece pior que anteontem.


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