São Paulo, quarta-feira, 04 de abril de 2001

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ALIADOS EM CRISE

Para dois ministros do STF e associação de procuradores, medidas inibem apresentação de denúncias

Pacote inclui nova tentativa de "mordaça"

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Além da criação da Corregedoria Geral da União, órgão encarregado de combater a corrupção, o governo propôs um projeto de lei que, se aprovado pelos congressistas, inibirá a iniciativa de apresentação de denúncias contra a sua administração.
O projeto é uma mais uma tentativa de impor a chamada "mordaça" a procuradores e cidadãos, na opinião de dois ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), que falaram em caráter reservado, e do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Carlos Frederico.
A proposta enviada ao Congresso é polêmica porque amplia a possibilidade de punição da pessoa que fizer denúncia infundada e sabidamente falsa contra outra.
Esse crime já é previsto atualmente no Código Penal, que estabelece pena de dois a oito anos de prisão. Mas essa punição está limitada à hipótese de uma pessoa acusar outra de praticar algum crime. Pelo projeto, a palavra crime é substituída por "fato". Assim, ninguém poderá acusar alguém de praticar "fato" se souber que ela é inocente, sob pena de até quatro anos de prisão.
Pelo texto proposto, é considerado crime: "Dar causa a instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe fato de que o sabe inocente".
Um dos ministros do STF ouvidos pela Folha disse que o conceito de "fato" é excessivamente amplo e o conhecimento prévio da inocência é conceito excessivamente subjetivo.
Por essas duas razões, o ministro afirmou que a iniciativa poderá ser questionada no Supremo por falta de razoabilidade, uma exigência da Constituição.
De acordo com esse ministro, essa norma representará, na prática, uma intimidação.
O outro ministro do Supremo ouvido ontem afirmou que ainda não havia examinado o texto do projeto e que, em princípio, considerava a medida do governo uma tentativa de mordaça, cujo alvo seria o Ministério Público.
O procurador Carlos Frederico disse que a Associação Nacional dos Procuradores da República pressionará parlamentares para que eles rejeitem o projeto.

"Contradição"
A punição está prevista somente para as pessoas que souberem que estão fazendo denúncias infundadas contra a administração. Para Carlos Frederico, essa norma não incentivará as pessoas de boa-fé a apresentar denúncias de corrupção e irregularidades.
Ele afirmou que mesmo essas pessoas estarão sujeitas a responder processo criminal e, nessa hipótese, terão que comprovar perante a Justiça que não sabiam da inocência de determinado agente público quando o acusaram.
Carlos Frederico lembrou que a maioria das denúncias contra a administração pública surge a partir de informações fornecidas pelos cidadãos.
Segundo ele, a restrição à denúncia infundada deverá implicar na prática a exigência de apresentação de provas e não de suspeitas para início de cada investigação.
"Esse projeto é uma contradição em relação à criação da Corregedoria Geral da União. Os poderes do novo órgão serão limitados já no seu nascimento."
O projeto de lei faz parte do pacote anunciado juntamente com a criação do órgão, que será comandado pela subprocuradora-geral da República aposentada Anadyr de Mendonça Rodrigues.


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