São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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SOMBRA NO PLANALTO

Presidente acha que gravação de subprocurador negociando fita na qual Waldomiro pede propina é chance de Dirceu se recuperar

Para Lula, episódio Santoro é um "respiro"

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminou a semana dizendo que o "episódio Santoro" deu ao governo um "respiro" para tentar superar o caso Waldomiro Diniz. Também acha que é a melhor chance de o ministro José Dirceu (Casa Civil) se recuperar e continuar no posto.
Segundo a Folha apurou, Lula julga que Dirceu ganhou oportunidade de ouro após a revelação da gravação na qual o subprocurador da República José Roberto Santoro pressionou Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, a lhe dar a fita que detonou o caso Waldomiro Diniz.
Ao pressionar Cachoeira, Santoro disse que, se fossem surpreendidos pela chegada do procurador-geral da República, Claudio Fonteles, o encontro dos dois seria interpretado como tentativa de "ferrar" Dirceu. O governo classificou o encontro Santoro-Cachoeira de "conspiração" e desencadeou uma contra-ofensiva no caso Waldomiro.
Isso posto, não significa que Lula tenha dissipado todas as suas dúvidas a respeito da conveniência de manter Dirceu na Casa Civil. O discurso público do governo é que Dirceu não sairá do governo e que nunca Lula cogitou disso. Não é verdade. Pelo menos por duas vezes, Dirceu esteve perto de deixar a Casa Civil.
Essa hipótese hoje é remota. Se um dia ela se concretizar, o presidente deseja que seja a pedido de Dirceu ou por um clima político que o leve a solicitar a demissão.
A simples demissão de Dirceu é tarefa complicada. Lula acha que, pelo peso no PT e pela participação na sua eleição em 2002, um Dirceu ferido poderia ser um inimigo feroz na Câmara dos Deputados, onde reassumiria a cadeira de deputado federal por São Paulo. Dirceu poderia, por exemplo, jogar o PT contra o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e minar a política econômica.
Lula não se esquece de que saem do PT os maiores ataques a Palocci e que precisaria articular o esvaziamento de Dirceu no PT.
Por isso, uma idéia que ficou na cabeça de Lula é a de eventualmente tirá-lo do Palácio do Planalto. Insatisfeito com o desempenho de Humberto Costa na Saúde, o presidente já pensou em pôr Dirceu nesse posto, que é estratégico, mas que deixaria o Planalto fora da linha de tiro.

Carnaval em depressão
A primeira vez que Dirceu esteve perto de deixar o governo foi no Carnaval, entre os dias 21 e 25 de fevereiro, quando o ministro viajou para São Paulo e confessou a amigos que achava melhor sair. Ele já havia, no dia 16 de fevereiro, colocado o cargo à disposição de Lula. Naquele semana, ele alterou momentos de depressão com rompantes de raiva, nos quais levantava a voz e falava em sair.
Mas amigos e aliados do ministro da Casa Civil, entre os quais o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro e os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), o persuadiram a ficar no cargo.
Naquele período da crise, que começara em 13 de fevereiro com a reportagem da revista "Época" que trouxe o vídeo no qual Waldomiro pedia propina e contribuição de campanha a Cachoeira, um assessor direto de Lula dizia que a turbulência política duraria apenas duas semanas, mas ela continuou. O próprio governo avalia que a crise começou a murchar mesmo na última terça-feira, quando o "Jornal Nacional" da Rede Globo trouxe à tona o "episódio Santoro".
Lula, porém, evita cantar vitória. Essa cautela foi decisiva para que determinasse o afastamento de Dirceu, ainda que temporário, da articulação política. Lula o quer fora dos holofotes, gerenciando os ministérios.
Antes do "episódio Santoro", no dia 26 de março, Lula teve conversa dura com Dirceu. Deixou claro que a chance de ele se salvar seria mergulhar na coordenação do governo -algo que o presidente desejava desde o fim de janeiro, quando fez a reforma ministerial e tirou da Casa Civil a articulação política. Em breve, Dirceu anunciará as novas regras das agências reguladoras, num claro gesto de que incorporou o papel de "gerentão".

Datafolha
A segunda vez em que Dirceu quase caiu foi na manhã de 2 de março. A manchete da Folha era uma pesquisa Datafolha: "Maioria quer afastamento de Dirceu, mas poupa Lula". Lula leu e confidenciou a auxiliares que talvez fosse a hora de adotar a saída Henrique Hargreaves, referência ao ex-ministro de Itamar Franco que saiu do posto para responder a acusações e retornou depois.
Segundo a pesquisa, 67% dos entrevistados queriam o afastamento de Dirceu. Àquela altura, a imagem de Lula ainda não havia sido afetada, como foi agora.
Ao ver o Datafolha, Dirceu se abateu. Mas, ao longo do dia, contou com um aliado inesperado. Depois de prometer uma revelação bombástica contra o chefe da Casa Civil, o senador Almeida Lima (PDT-SE) fez um discurso vazio e deu argumentos a favor de suposta campanha para desestabilizar o governo e tirar Dirceu da Casa Civil. Lula, então, desistiu da "saída Hargreaves".


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