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São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2003

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ELIO GASPARI

Chega de sábios, precisa-se de bravatas

Viva o bravateiro. Viva o vice-presidente José Alencar. É um prazer ouvi-lo: "Nunca houve na história do Brasil maior transferência de renda oriunda do trabalho em benefício do sistema financeiro".
Se Lula fizer com a banca metade do que vem fazendo com o funcionalismo e com o pedaço do PT que pensa como ele deixou de pensar, os juros cobrados à patuléia caem sem que seja necessário mexer na taxa Selic do governor Henrique Meirelles. Em abril Lula comemorou com uma festa no Planalto a doação de R$ 13 milhões dos "meus amigos da Febraban" para as cisternas do Fome Zero. Louvando as mudanças da vida, disse assim:
"Quem é que imaginava, há dois meses, que a Febraban viria hoje dizer que iria começar com um plano piloto de 10 mil cisternas? Ninguém".
Muita vela para pouco lastro. Banqueiro dá cisterna, panela, até vestido de noiva, desde que lhe dêem juros. R$ 13 milhões são o equivalente ao que a Viúva paga a cada dois dias por um só ponto percentual dos juros que o governo mantém a 26,5% ao ano. Noutra conta, R$ 13 milhões equivalem a dois dias do lucro do Bradesco durante os três primeiros meses de governo de Lula.
Lula podia chamar a Febraban de volta ao Planalto para saber por que a taxa anual de juros de um cheque especial varia de 35% a 200%. Ou por que a taxa de juros para uma empresa pode ir de 30% a 80%. Infelizmente, nos últimos nove anos, sempre que se fala nisso, quem sai em defesa dos juros lunares é algum diretor do Banco Central. Tudo seria culpa dos caloteiros. (Com frequência, quando esses sábios da economia deixam o Banco Central, aconchegam-se em casas de crédito.)
Admita-se que os caloteiros são uma ameaça. A banca brasileira, protegendo-se dessa praga, tem uma rentabilidade superior à americana, inglesa e espanhola. Adorável risco. Durante os oito anos de FFHH a rentabilidade média da banca foi de 24,5%. A dos outros (indústria, comércio e serviços) ficou em 5,6%. Nos primeiros três meses de Lula a rentabilidade dos dois maiores bancos brasileiros foi de corar tucano. A do Bradesco ficou em 19%, com R$ 508 milhões, e a do Itaú, em 32%, com R$ 714 milhões.
Convertendo esse ervanário ao petês federal, é coisa como 1 milhão de cisternas.
Por mais que os 26,5% do governor Meirelles sejam uma taxa indecente, Lula teve razão quando mostrou a disparidade entre a taxa básica do Banco Central e o que se cobra à choldra. Resta-lhe ir à obra, sabendo que o negócio do governo com a banca não é conseguir cisternas filantrópicas, mas descartelizar os juros e as taxas cobrados à patuléia. É nesse tipo de desempenho que se pode esperar aquilo que ele anunciou à Febraban como "um outro padrão de relacionamento na sociedade brasileira".
Até agora, esse padrão tem levado o governo a buscar mais dinheiro no bolso dos trabalhadores e algumas cisternas no cofre dos banqueiros.


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