São Paulo, quinta-feira, 04 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/A LISTA DE VALÉRIO

Em depoimento, publicitário afirma que ex-ministro participou das negociações para liberar recursos para as suas empresas

Dirceu sabia de empréstimos, diz Valério

RUBENS VALENTE
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No segundo depoimento que prestou na Procuradoria Geral da República, anteontem, o publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza complicou a situação do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, atribuindo a ele um papel relevante no esquema clandestino de repasse de dinheiro a partidos políticos.
Também afirmou que Dirceu pediu ajuda a um banco, por meio do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, para resolver problemas pessoais de sua ex-mulher.
O depoimento de Valério reforça sua estratégia de negociar uma delação premiada, que significa receber abrandamento de pena, no caso de uma condenação judicial, em troca de ajuda aos investigadores.
Valério também contradisse um trecho importante do depoimento que José Dirceu prestou, naquela mesma tarde, ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. O ex-ministro disse aos parlamentares que encontrou-se apenas "uma ou duas vezes com Valério" em "atos sociais".
No depoimento, porém, Valério disse ter estado três vezes na Casa Civil "entrevistando-se" com o ex-ministro -os procuradores da República, no entanto, não fizeram constar no depoimento ou não perguntaram a Valério as datas, os motivos e se houve testemunhas desses encontros.
Confirmando o que sua mulher, Renilda Maria, havia dito na semana passada à CPI dos Correios, Valério afirmou que o ex-tesoureiro nacional do PT Delúbio Soares informou-lhe que José Dirceu manteve reuniões com as diretorias dos bancos BMG e Rural para assegurar a assinatura dos empréstimos entre as instituições e as empresas de Valério. Segundo o empresário, foram tomados seis empréstimos, no valor total de R$ 55,2 milhões.

ESQUEMA TUCANO - Valério confirmou que, em 1998, participou de um esquema de financiamento partidário nos mesmos moldes do que está sendo investigado pela CPI dos Correios, mas então como apoio ao PSDB mineiro. Relatou que Cláudio Roberto Silveira Mourão, o tesoureiro da campanha de reeleição ao governo mineiro do atual senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), pediu-lhe um empréstimo de R$ 9 milhões "em razão de dificuldades financeiras na campanha".
Valério obteve o empréstimo no Banco Rural, cujo presidente, José Augusto Dumont, seria seu amigo, e deu como garantia créditos a receber de contratos de publicidade mantidos com o próprio governo estadual. Repassou o dinheiro "segundo orientação do sr. Cláudio Mourão". O Ministério Público não perguntou ou não incluiu no depoimento quem foram as pessoas beneficiadas e se esses repasses foram ou não declarados por Valério no Imposto de Renda de suas empresas.
AVALISTA E CREDOR - O publicitário voltou a dizer, agora em detalhes, que houve um contrato de gaveta entre ele e Delúbio Soares, o ex-tesoureiro nacional do PT, para dar uma espécie de segurança aos bancos credores na operação que teria drenado R$ 55,2 milhões para o partido. Dois documentos teriam sido assinados, um entregue ao Banco Rural e o outro, ao BMG.
Valério disse só ter cópia do segundo, de 1º de julho de 2004. Entregou cópia aos procuradores da República. Nesse papel, segundo Valério, Delúbio aparece como "avalista e devedor solidário" dos empréstimos no BMG.
AGÊNCIAS - Marcos Valério descreveu um quadro de promiscuidade entre agências de publicidade de órgãos públicos nos governos estadual e federal. Quando indagado sobre eventual direcionamento nas licitações que "vem ganhando sistematicamente", Valério afirmou que a atuação de suas empresas "não difere em nada dos outros grandes contratos do governo atual ou passado".
Valério assim descreveu: "A atuação na área de publicidade de um modo geral envolve a submissão a interesses políticos, sem o que as empresas não sobrevivem nesse mercado". Ele citou as empresas Ogilvy, DM-9, Bagg, Propeg, F-Nazca, Duda Mendonça, Fischer América e Lew, Lara, "dentre outras".
Mais adiante, Valério confirmou que a Secom (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) "solicitou" a diminuição do valor exigido do patrimônio líquido das empresas concorrentes da licitação da publicidade nos Correios. Segundo ele, das 55 concorrentes, apenas dez tinham condições de participar, segundo as regras anteriores.
JOSÉ DIRCEU - Ao ser indagado sobre "a origem dos empréstimos" que suas empresas obtiveram com a finalidade de repassar dinheiro ao PT, Valério relacionou-a à atuação do ex-ministro José Dirceu. Contou que, ao mesmo tempo em que negociava a liberação de empréstimos, "Delúbio Soares lhe informou" que José Dirceu "teve reuniões com os dirigentes de ambos os bancos", Rural e BMG. A reunião com os dirigentes do Rural teria ocorrido no hotel Ouro Minas, em Belo Horizonte (MG), "num jantar", e a reunião com a diretoria do BMG teria ocorrido "em Brasília" -não foram citadas datas.
EX-MULHER - O ex-ministro voltou a ser citado por Valério quando ele descreveu o apoio que deu a Ângela Saragoça, ex-mulher de José Dirceu. "O declarante foi procurado por Silvio Pereira [ex-secretário-geral do PT] para auxiliar o ex-ministro José Dirceu na resolução de um problema pessoal com sua ex-esposa, que pretendia trocar de apartamento e não tinha recursos financeiros. Desta forma, foi conseguido o empréstimo e o emprego já mencionados", disse Valério, referindo-se a uma vaga dada a Ângela no banco BMG.
Valério contou que a compra do apartamento de Ângela pelo seu sócio, o advogado Rogério Tolentino, também fez parte dessa ajuda supostamente pedida por Dirceu. "(...) Tolentino, para resolver o problema, já que o crédito imobiliário dependia do pagamento de recursos em dinheiro, comprou o apartamento da sra. Ângela, pagou à vista."
TESOURARIA - Ao confirmar a íntegra da lista, entregue à procuradoria um dia antes por sua funcionária Simone Reis Vasconcelos, de 31 beneficiários de repasses no suposto esquema de caixa, Valério deu detalhes sobre as pessoas e a forma como os saques eram realizados.
Contou que os cerca de R$ 4,9 milhões destinados diretamente ao PT nacional, tendo como "contatos" Delúbio, sua secretária, Edilene, e a funcionária do partido Solange Pereira Oliveira, "eram entregues na tesouraria do PT em São Paulo e em Brasília". Não fica claro como o dinheiro era transportado até lá.
CAMISETAS - Valério contou que apenas um, dos 31 beneficiários, era suposto fornecedor de campanha eleitoral. Disse que Carlos Cortegoso, associado ao nome "Ponto Focal" e a dois telefones com prefixo de São Paulo, teria recebido R$ 400 mil como "pagamento a camisetas do PT". Não ficou esclarecido para qual campanha eram as camisetas.
Mais adiante, Valério contou que a verba de R$ 1,2 milhão destinada ao tesoureiro do PT do Rio Grande do Sul, Marcelino Pies, era recebida "por Jorge e Paulo Bassotto [do PT gaúcho] em Belo Horizonte (MG)".
CONEXÃO MINEIRA - Valério envolveu na relação dos saques o ex-ministro dos Transportes do governo Lula e atual prefeito de Uberaba (MG), Anderson Adauto (PL). Confirmou que o sacador José Luiz Alves, a quem atribuiu a retirada de R$ 1 milhão, era chefe-de-gabinete de Adauto e que outro nome relacionado aos saques, Edson Pereira de Almeida, é irmão do ex-ministro "e recebia por José Luiz Alves".
Valério também mencionou o atual prefeito de Belo Horizonte (MG), Fernando Pimentel (PT). Disse que o sacador Rodrigo Barroso Fernandes, relacionado a retiradas de R$ 774 mil em favor do petista Carlos Magno, é assessor de Pimentel.
ADVOGADOS - Segundo Valério, os advogados Aristides Junqueira e Pedro Fonseca, que defenderam o PT no decorrer das investigações sobre o assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, receberam R$ 185 mil "a título de honorários".


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