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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/A LISTA DE VALÉRIO
Em depoimento, publicitário afirma que ex-ministro participou das negociações para liberar recursos para as suas empresas
Dirceu sabia de empréstimos, diz Valério
RUBENS VALENTE
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No segundo depoimento que
prestou na Procuradoria Geral da
República, anteontem, o publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza complicou a situação do ex-ministro-chefe da
Casa Civil José Dirceu, atribuindo
a ele um papel relevante no esquema clandestino de repasse de dinheiro a partidos políticos.
Também afirmou que Dirceu
pediu ajuda a um banco, por meio
do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, para resolver problemas pessoais de sua ex-mulher.
O depoimento de Valério reforça sua estratégia de negociar uma
delação premiada, que significa
receber abrandamento de pena,
no caso de uma condenação judicial, em troca de ajuda aos investigadores.
Valério também contradisse
um trecho importante do depoimento que José Dirceu prestou,
naquela mesma tarde, ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. O ex-ministro disse aos
parlamentares que encontrou-se
apenas "uma ou duas vezes com
Valério" em "atos sociais".
No depoimento, porém, Valério
disse ter estado três vezes na Casa
Civil "entrevistando-se" com o
ex-ministro -os procuradores
da República, no entanto, não fizeram constar no depoimento ou
não perguntaram a Valério as datas, os motivos e se houve testemunhas desses encontros.
Confirmando o que sua mulher,
Renilda Maria, havia dito na semana passada à CPI dos Correios,
Valério afirmou que o ex-tesoureiro nacional do PT Delúbio Soares informou-lhe que José Dirceu
manteve reuniões com as diretorias dos bancos BMG e Rural para
assegurar a assinatura dos empréstimos entre as instituições e
as empresas de Valério. Segundo
o empresário, foram tomados seis
empréstimos, no valor total de R$
55,2 milhões.
ESQUEMA TUCANO - Valério confirmou que, em 1998, participou
de um esquema de financiamento
partidário nos mesmos moldes
do que está sendo investigado pela CPI dos Correios, mas então como apoio ao PSDB mineiro. Relatou que Cláudio Roberto Silveira
Mourão, o tesoureiro da campanha de reeleição ao governo mineiro do atual senador Eduardo
Azeredo (PSDB-MG), pediu-lhe
um empréstimo de R$ 9 milhões
"em razão de dificuldades financeiras na campanha".
Valério obteve o empréstimo no
Banco Rural, cujo presidente, José
Augusto Dumont, seria seu amigo, e deu como garantia créditos a
receber de contratos de publicidade mantidos com o próprio governo estadual. Repassou o dinheiro "segundo orientação do sr.
Cláudio Mourão". O Ministério
Público não perguntou ou não incluiu no depoimento quem foram
as pessoas beneficiadas e se esses
repasses foram ou não declarados
por Valério no Imposto de Renda
de suas empresas.
AVALISTA E CREDOR - O publicitário voltou a dizer, agora em detalhes, que houve um contrato de
gaveta entre ele e Delúbio Soares,
o ex-tesoureiro nacional do PT,
para dar uma espécie de segurança aos bancos credores na operação que teria drenado R$ 55,2 milhões para o partido. Dois documentos teriam sido assinados, um
entregue ao Banco Rural e o outro, ao BMG.
Valério disse só ter cópia do segundo, de 1º de julho de 2004. Entregou cópia aos procuradores da
República. Nesse papel, segundo
Valério, Delúbio aparece como
"avalista e devedor solidário" dos
empréstimos no BMG.
AGÊNCIAS - Marcos Valério descreveu um quadro de promiscuidade entre agências de publicidade de órgãos públicos nos governos estadual e federal. Quando indagado sobre eventual direcionamento nas licitações que "vem ganhando sistematicamente", Valério afirmou que a atuação de suas
empresas "não difere em nada
dos outros grandes contratos do
governo atual ou passado".
Valério assim descreveu: "A
atuação na área de publicidade de
um modo geral envolve a submissão a interesses políticos, sem o
que as empresas não sobrevivem
nesse mercado". Ele citou as empresas Ogilvy, DM-9, Bagg, Propeg, F-Nazca, Duda Mendonça,
Fischer América e Lew, Lara,
"dentre outras".
Mais adiante, Valério confirmou que a Secom (Secretaria de
Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) "solicitou" a diminuição do valor exigido do patrimônio líquido das empresas
concorrentes da licitação da publicidade nos Correios. Segundo
ele, das 55 concorrentes, apenas
dez tinham condições de participar, segundo as regras anteriores.
JOSÉ DIRCEU - Ao ser indagado
sobre "a origem dos empréstimos" que suas empresas obtiveram com a finalidade de repassar
dinheiro ao PT, Valério relacionou-a à atuação do ex-ministro
José Dirceu. Contou que, ao mesmo tempo em que negociava a liberação de empréstimos, "Delúbio Soares lhe informou" que José
Dirceu "teve reuniões com os dirigentes de ambos os bancos", Rural e BMG. A reunião com os dirigentes do Rural teria ocorrido no
hotel Ouro Minas, em Belo Horizonte (MG), "num jantar", e a
reunião com a diretoria do BMG
teria ocorrido "em Brasília"
-não foram citadas datas.
EX-MULHER - O ex-ministro voltou a ser citado por Valério quando ele descreveu o apoio que deu
a Ângela Saragoça, ex-mulher de
José Dirceu. "O declarante foi
procurado por Silvio Pereira [ex-secretário-geral do PT] para auxiliar o ex-ministro José Dirceu na
resolução de um problema pessoal com sua ex-esposa, que pretendia trocar de apartamento e
não tinha recursos financeiros.
Desta forma, foi conseguido o
empréstimo e o emprego já mencionados", disse Valério, referindo-se a uma vaga dada a Ângela
no banco BMG.
Valério contou que a compra do
apartamento de Ângela pelo seu
sócio, o advogado Rogério Tolentino, também fez parte dessa ajuda supostamente pedida por Dirceu. "(...) Tolentino, para resolver
o problema, já que o crédito imobiliário dependia do pagamento
de recursos em dinheiro, comprou o apartamento da sra. Ângela, pagou à vista."
TESOURARIA - Ao confirmar a íntegra da lista, entregue à procuradoria um dia antes por sua funcionária Simone Reis Vasconcelos, de 31 beneficiários de repasses
no suposto esquema de caixa, Valério deu detalhes sobre as pessoas e a forma como os saques
eram realizados.
Contou que os cerca de R$ 4,9
milhões destinados diretamente
ao PT nacional, tendo como "contatos" Delúbio, sua secretária,
Edilene, e a funcionária do partido Solange Pereira Oliveira,
"eram entregues na tesouraria do
PT em São Paulo e em Brasília".
Não fica claro como o dinheiro
era transportado até lá.
CAMISETAS - Valério contou que
apenas um, dos 31 beneficiários,
era suposto fornecedor de campanha eleitoral. Disse que Carlos
Cortegoso, associado ao nome
"Ponto Focal" e a dois telefones
com prefixo de São Paulo, teria recebido R$ 400 mil como "pagamento a camisetas do PT". Não ficou esclarecido para qual campanha eram as camisetas.
Mais adiante, Valério contou
que a verba de R$ 1,2 milhão destinada ao tesoureiro do PT do Rio
Grande do Sul, Marcelino Pies,
era recebida "por Jorge e Paulo
Bassotto [do PT gaúcho] em Belo
Horizonte (MG)".
CONEXÃO MINEIRA - Valério envolveu na relação dos saques o ex-ministro dos Transportes do governo Lula e atual prefeito de
Uberaba (MG), Anderson Adauto
(PL). Confirmou que o sacador
José Luiz Alves, a quem atribuiu a
retirada de R$ 1 milhão, era chefe-de-gabinete de Adauto e que outro nome relacionado aos saques,
Edson Pereira de Almeida, é irmão do ex-ministro "e recebia
por José Luiz Alves".
Valério também mencionou o
atual prefeito de Belo Horizonte
(MG), Fernando Pimentel (PT).
Disse que o sacador Rodrigo Barroso Fernandes, relacionado a retiradas de R$ 774 mil em favor do
petista Carlos Magno, é assessor
de Pimentel.
ADVOGADOS - Segundo Valério,
os advogados Aristides Junqueira
e Pedro Fonseca, que defenderam
o PT no decorrer das investigações sobre o assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, receberam R$ 185 mil "a título de honorários".
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