São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Os erros de Lula no Congresso

FABIANO SANTOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

UM GOVERNO NORMAL tem ao final de seu mandato sempre coisas boas e ruins a mostrar. As intenções de voto em favor da reeleição do presidente Lula revelam que boa parte da população aprova dimensões importantes de sua administração, mais especificamente os ligados ao desempenho da economia e ao combate dos problemas sociais.
Entre os aspectos positivos, todavia, não se pode incluir a estratégia adotada para o relacionamento com o Congresso. Os problemas vividos com a base aliada e o espaço conquistado pela oposição na condução das CPIs constituem excelente aprendizado sobre o modo pelo qual não deve se dar a interação entre Executivo e Legislativo.
A separação de Poderes e o multipartidarismo são a base de funcionamento de nossas instituições democráticas. Deles, surge a necessidade de se organizar coalizões de apoio ao presidente no Legislativo, uma vez que são remotas as chances de que sua legenda conquiste a maioria no Congresso.
Esse contexto define o presidencialismo de coalizão, adotado no Brasil e em vários países da América do Sul, onde é freqüente a conjugação de presidencialismo e fragmentação partidária. O exame dos últimos mandatos revela pelo menos quatro condições para o bom funcionamento do presidencialismo de coalizão:
1) A decisão de montar a coalizão e a disposição de distribuir poder entre os partidos que desejem integrar o governo; 2) A redução tanto quanto possível do número de parceiros, assim como de sua heterogeneidade;
3) A distribuição proporcional de cargos no Executivo ao peso que os partidos têm na base aliada; 4) A definição de uma agenda que seja consenso na coalizão e a conquista dos postos-chave no Congresso tendo em vista a sua tramitação.
O governo Lula decidiu montar uma coalizão e distribuiu poder aos partidos que revelaram disposição de participar do governo. Portanto, a primeira condição foi atendida. Contudo, o mesmo não ocorreu com relação aos demais pontos.
O número de parceiros foi extremamente alto, bem como a sua dispersão ideológica. A distribuição de pastas ministeriais esteve longe da proporcionalidade dos partidos no Congresso -pode-se dizer que o PT controlou muito, restando pouco aos demais parceiros.
Finalmente, com exceção do primeiro ano de mandato, no qual uma agenda de reformas constitucionais ficou bem estabelecida, o restante do período ficou marcado por grande indefinição quanto ao que o governo gostaria de ver aprovado.
Ademais, a oposição conseguiu emplacar nomes pouco palatáveis para o governo em postos-chave da Câmara e do Senado, sendo o episódio que levou à vitória de Severino Cavalcanti na presidência da Câmara apenas o mais ruidoso deles.
Uma outra lógica governamental adviria da decisão do presidente de não governar com maioria, experiência comum no presidencialismo norte-americano e em diversos países parlamentaristas da Europa.
É preciso ter em conta que, em alguns casos, os custos de organização de maiorias, através da concessão de postos no Executivo, podem se tornar proibitivos. A disputa de partidos como PTB, PL e PP pelo espólio estatal é expressão desse problema. Entretanto, no momento em que o Executivo decide governar com minoria, é essencial encontrar no Congresso atores dispostos e capacitados a negociar uma agenda para o país.
Sob esta perspectiva, a atual estrutura institucional concentra muito poder no Executivo, principalmente no que tange ao poder de iniciativa legislativa, e torna o Legislativo irresponsável sob a ótica das políticas públicas de alcance geral.
A discussão em torno da reforma política está deslocada em seu foco mais precípuo. Não se trata de intervir nos mecanismos eleitorais, mas sim de tornar o Congresso definitivamente co-responsável, para o bem e para mal, pela agenda governamental no Brasil.


FABIANO GUILHERME MENDES SANTOS, cientista político, é professor doutor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). Escreveu "O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão" e, com Fátima Anastásia e Carlos Ranulfo Melo, "Governabilidade e Representação Política na América do Sul".

Texto Anterior: Eleições 2006/Legislativo: Partidos buscam fusões para superar cláusula de barreira
Próximo Texto: Folha: Maria Sylvia estréia amanhã como colunista
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.