São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

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GRUPO DO RIO

Países da América Central resistem à proposta; vice-chanceler do México diz que questão não está em pauta

Lula voltará a defender diálogo com Cuba

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá fazer hoje, dois dias depois das eleições americanas, um discurso defendendo a "ampliação do diálogo" dos países latino-americanos com Cuba, que vai chamar de "nação-irmã". O discurso será durante a sessão inaugural da reunião do Grupo do Rio, que foi criado em 1986 e reúne 19 países das três Américas.
A Folha teve acesso ao texto original do discurso de Lula, que lhe foi apresentado pela assessoria especial da Presidência e pelo Itamaraty e ainda era considerado um rascunho. O cuidado se explica: há fortes resistências no Grupo do Rio à aproximação com a ilha de Fidel Castro, especialmente entre os países da América Central, como Panamá e El Salvador.
Na última reunião de chanceleres do Grupo do Rio, realizada em Brasília no mês de agosto, o Brasil já tinha proposto uma demonstração política favorável à aproximação com Cuba, mas a idéia foi rechaçada, principalmente por El Salvador -que tem economia dolarizada e enviou tropas para o Iraque-, e não obteve consenso. Mesmo países da América do Sul lavaram as mãos por não terem simpatia por Fidel. O Uruguai nem sequer mantém relações diplomáticas com Cuba.
O vice-chanceler do México, Miguel Hakim, garantiu que até ontem, por volta das 14h, a questão de Cuba não havia entrado na pauta das discussões técnicas que precederam as reuniões de chanceleres e de presidentes. "Não se falou nisso [ampliação do diálogo com Cuba] até agora", disse Hakim, acrescentando: "E a inclusão de Cuba no grupo nunca esteve em discussão. Não se fala nisso".
O embaixador da Argentina, Juan Pablo Lohlé, também disse que Cuba não estava na agenda, apesar das versões em contrário da delegação brasileira. O discurso de Lula, portanto, deverá ser em nome do Brasil, não do grupo.
A posição brasileira pró-aproximação com Cuba é não só um gesto para agradar Fidel, velho amigo da cúpula do PT, como uma reafirmação da política externa "pró-ativa" e "independente" (sobretudo em relação aos EUA) que vem sendo desenvolvida pelo chanceler Celso Amorim. Ele chegou ontem ao Rio com duas preocupações: a da própria reunião do grupo e o resultado das eleições americanas.
O principal aliado do Brasil na disposição de fazer um aceno pró-aproximação com Cuba é o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que chegou ontem ao Brasil com uma agenda lotada de compromissos. Além de Chávez e de Lula, são esperados outros dez presidentes para as reuniões de hoje e amanhã do Grupo do Rio: os de Argentina, México, Costa Rica, Uruguai, Guiana, República Dominicana, Colômbia, Chile, Peru e Bolívia.

Haiti
No discurso, Lula também fará um apelo para que os países do Grupo enviem as tropas e os auxílios prometidos para o Haiti, onde o Brasil lidera as tropas da Força de Paz. Segundo o Itamaraty, nem metade dos cerca de 6.000 soldados prometidos chegaram até agora ao país, onde a tensão nas ruas é grande e tende a aumentar.
Lula também deverá pedir apoio político dos países, além de cobrar o envio efetivo de milhares de dólares prometidos há meses por setores da iniciativa privada, inclusive dos Estados Unidos. Em entrevista, Celso Amorim deu o tom do encontro: "A importância em lastrear democracia numa justiça social". Ele disse que, entre os temas que serão tratados, estão o combate à fome e o Haiti.
Outros itens da agenda do encontro, que serão consolidados numa ata, foram confirmados pelo coordenador da delegação brasileira, ministro Marcelo Vasconcelos, e pelo mexicano Hakim. São eles: 1) fortalecimento de organismos multilaterais, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio); 2) mecanismos de financiamento do desenvolvimento da região, transformando a CAF (Corporação Andina de Fomento) no embrião de uma nova agência financeira.
Segundo Hakim, a tendência é que o documento final, a ser divulgado pelos presidentes amanhã, faça referências genéricas ao fortalecimento da ONU, sem entrar em detalhes sobre formas e propostas do grupo para eventual reformulação do organismo. Esse é um outro assunto tratado com um certo constrangimento pelos americanos, especialmente depois de invadirem o Iraque sem autorização da ONU.
O Grupo do Rio foi criado há 18 anos como mecanismo para a discussão de questões políticas de interesse comum aos países latino-americanos, naquela época em fase de redemocratização (como o próprio Brasil) e às voltas com denúncias de desrespeito aos direitos humanos. Com o tempo, as questões econômicas foram agregadas. Foi pegando carona numa reunião do Grupo do Rio, no governo Itamar Franco, que o então ministro da Fazenda, Ciro Gomes, anunciou um brutal alívio nas tarifas de importação no país.


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