São Paulo, terça-feira, 04 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

JANIO DE FREITAS

A democracia em dia


Não há como prever se a esperada vitória de Obama atenuará ou encrespará o risco que o circunda

BARACK OBAMA é um homem de coragem. Se por natureza, por desprendimento em razão de ideais ou por ambição desmedida, não faz diferença para a condição sem igual que viveu nos últimos dez meses, no longo percurso da disputa sucessória. Barack Obama é a única pessoa, dentro e fora dos Estados Unidos, que nestes meses não esteve sob a expectativa receosa, e tantas vezes posta em público, de que sua ousadia negra fosse punida com outro dos balaços determinantes na democracia americana.
Mais fortes do que a soma dos votos, é verdade que essas balas não escolhem seus alvos só pela cor da pele. Desde o século 19, a espécie tipicamente americana dos votos letais, sob a forma de projéteis, tem reajustado aos interesses e ideologias dos seus usuários também vitórias eleitorais de brancos, ou sua provável ocorrência.
Ainda que tenham finalidade menos insana, John McCain e Sarah Palin incitaram os ânimos que ativam contra Barack Obama a solução letal. Os comícios em que apontam a proposta de "distribuição menos injusta da renda", constante do programa de Obama, como "propósito encoberto de instalar o socialismo na América", McCain e sua caçadora decidiram explorar o que há de mais primário na mentalidade americana. A grande trincheira de onde sai toda a ferocidade que tanto se abate sobre o Vietnã como sobre dois Kennedy, Barry Goldwater, Martin Luther King, por exemplo.
Não há como prever se a esperada vitória de Obama, com a habilidade política que lhe é atribuída, atenuará ou encrespará o risco que o circunda. De certo, só isso: a expectativa receosa o seguirá, dentro e fora dos Estados Unidos, na (provável) Presidência. Com motivo para tanto, porque não há sistema de proteção que possa defendê-lo sempre, ou a qualquer pessoa, na população mais armada do mundo e mais afeita ao uso de suas armas. Armas e usos pessoais, não as que vão ao Iraque, ao Afeganistão e se espalham entre bases incontáveis, porque há as secretas, por todo o planeta.
Mesmo se surpreendido no resultado, Barack Obama exibiu uma experiência política e existencial extraordinária. Negro, independente dos círculos dominantes, oponente hábil das idéias tradicionais "da América", impôs sua aceitação como possível ocupante da Presidência. Não seria o caso, porém, de dividir seu feito com um avanço político e cultural, alegado por muitos comentaristas, da sociedade americana.
A campanha do negro Obama precisou evitar, ao limite do possível, referências aos de sua cor. Foi para não despertar, aparentando-o como candidato dos negros, o racismo latente em muitos dos que admitiam dar-lhe o voto. Pelos Estados Unidos afora, áreas com concentrações negras foram levadas a conter suas manifestações de apoio a Obama, porque o prejudicariam com a esperança e o entusiasmo da cidadania negra. Comunidades muçulmanas, densidades caribenhas e centro-americanas e até artistas negros foram levados à mesma contenção. A travessia feita pela candidatura de Barack Obama foi, portanto, a maior evidência da extensão do racismo na democracia americana.
Ah, que linda é a democracia que os Estados Unidos hoje vão afirmar em casa, e todos os dias querem levar a outros povos, por todos os meios, como benfeitores da civilização.


Texto Anterior: Toda Mídia - Nelson de Sá: Nas mãos do Itaú
Próximo Texto: Kassab diz ser natural PMDB se aliar com DEM em 2010
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.