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ANÁLISE
"Diplomacia de resultados" atropela direitos humanos
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em seu giro por países árabes,
Luiz Inácio Lula da Silva defende
que seu governo está abrindo novos mercados e firmando uma
posição mais ativa no cenário internacional. Na receita, uma
afronta geopolítica aos interesses
de Washington e um mercantilismo terceiro-mundista.
A argumentação de Lula é válida, exceto no que ela não diz. Dos
cinco países visitados, só o Líbano
esboça um desenho democrático
em suas instituições -ainda assim frágil, por ser o país basicamente um protetorado de Damasco em sua disputa com Israel.
No ranking da corrupção elaborado neste ano pela ONG Transparência Internacional, de 133
países, apenas os Emirados Árabes Unidos, entre os países visitados, figuram em posição melhor
(37ª) do que o Brasil (54ª). Todos
os cinco países são advertidos, em
graus diversos, no relatório 2003
da entidade de defesa de direitos
humanos Human Rights Watch.
Tomemos a Síria, primeira parada de Lula, como exemplo. Ainda que ensaie uma abertura em
relação ao regime que herdou de
seu pai, Bashar al Assad é criticado sistematicamente pela falta de
liberdades em seu país.
Já a Líbia, um dos poucos Estados para o qual a acusação de financiar o terrorismo foi além da
retórica neocolonial de Washington, vive isolada em seu regime
personalista desde 1969.
Hosni Mubarak, no Egito, elegeu-se para seu quarto mandato
consecutivo em 1999 com 93,79%
de votos -certamente uma vitória para a democracia, já que seus
outros triunfos superaram a casa
dos 95% dos votos.
O pequeno e rico emirado do
Golfo Pérsico não tem tanto "brilho" quanto os antecessores do
ponto de vista antidemocrático,
mas tampouco é conhecido por
sua liberalidade política.
Logicamente haverá sempre argumentações sobre a natureza relativa dos conceitos de democracia e de liberdade, especialmente
depois de eles terem sido violentamente usurpados pelos EUA no
mundo pós-11 de setembro.
Basta ver onde foi parar o sistema judicial norte-americano na
base de Guantánamo (Cuba), onde prisioneiros da "guerra ao terror" encaram a morte num processo kafkiano -para usar as palavras do jornal britânico "The
Guardian", em reportagem sobre
o local. Democracia não é igual no
mundo todo. Até porque os EUA,
que se arrogam o papel de defendê-la, desprezam Líbia e Síria ao
mesmo tempo em que apóiam o
Egito e os Emirados.
"Realpolitik" é isso, e é essa a
mensagem que Lula quer mimetizar ao recitar o mantra da abertura comercial e da consolidação da
política externa. Nem que o seu
"neogeiselismo" seja visto como
uma provocação grave por Washington, ainda que sua ortodoxia
econômica provoque suspiros em
Wall Street.
Ainda que diga respeito só a negócios, e questões caras ao petismo pré-Planalto, como direitos
humanos, possam ser consideradas "assuntos internos", falta à estratégia a resposta a uma pergunta. Como fazer os mercados a serem conquistados pelo Itamaraty
lulista serem ao menos equivalentes em importância ao dos Estados Unidos e aliados?
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