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São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

"Diplomacia de resultados" atropela direitos humanos

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em seu giro por países árabes, Luiz Inácio Lula da Silva defende que seu governo está abrindo novos mercados e firmando uma posição mais ativa no cenário internacional. Na receita, uma afronta geopolítica aos interesses de Washington e um mercantilismo terceiro-mundista.
A argumentação de Lula é válida, exceto no que ela não diz. Dos cinco países visitados, só o Líbano esboça um desenho democrático em suas instituições -ainda assim frágil, por ser o país basicamente um protetorado de Damasco em sua disputa com Israel.
No ranking da corrupção elaborado neste ano pela ONG Transparência Internacional, de 133 países, apenas os Emirados Árabes Unidos, entre os países visitados, figuram em posição melhor (37ª) do que o Brasil (54ª). Todos os cinco países são advertidos, em graus diversos, no relatório 2003 da entidade de defesa de direitos humanos Human Rights Watch.
Tomemos a Síria, primeira parada de Lula, como exemplo. Ainda que ensaie uma abertura em relação ao regime que herdou de seu pai, Bashar al Assad é criticado sistematicamente pela falta de liberdades em seu país.
Já a Líbia, um dos poucos Estados para o qual a acusação de financiar o terrorismo foi além da retórica neocolonial de Washington, vive isolada em seu regime personalista desde 1969.
Hosni Mubarak, no Egito, elegeu-se para seu quarto mandato consecutivo em 1999 com 93,79% de votos -certamente uma vitória para a democracia, já que seus outros triunfos superaram a casa dos 95% dos votos.
O pequeno e rico emirado do Golfo Pérsico não tem tanto "brilho" quanto os antecessores do ponto de vista antidemocrático, mas tampouco é conhecido por sua liberalidade política.
Logicamente haverá sempre argumentações sobre a natureza relativa dos conceitos de democracia e de liberdade, especialmente depois de eles terem sido violentamente usurpados pelos EUA no mundo pós-11 de setembro.
Basta ver onde foi parar o sistema judicial norte-americano na base de Guantánamo (Cuba), onde prisioneiros da "guerra ao terror" encaram a morte num processo kafkiano -para usar as palavras do jornal britânico "The Guardian", em reportagem sobre o local. Democracia não é igual no mundo todo. Até porque os EUA, que se arrogam o papel de defendê-la, desprezam Líbia e Síria ao mesmo tempo em que apóiam o Egito e os Emirados.
"Realpolitik" é isso, e é essa a mensagem que Lula quer mimetizar ao recitar o mantra da abertura comercial e da consolidação da política externa. Nem que o seu "neogeiselismo" seja visto como uma provocação grave por Washington, ainda que sua ortodoxia econômica provoque suspiros em Wall Street.
Ainda que diga respeito só a negócios, e questões caras ao petismo pré-Planalto, como direitos humanos, possam ser consideradas "assuntos internos", falta à estratégia a resposta a uma pergunta. Como fazer os mercados a serem conquistados pelo Itamaraty lulista serem ao menos equivalentes em importância ao dos Estados Unidos e aliados?


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