São Paulo, sexta, 4 de dezembro de 1998

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REAÇÃO
Para Lopes, geração futura vai pagar
Diretor do BC faz crítica ao Congresso


GUSTAVO PATÚ
enviado especial ao Rio


O diretor de Política Monetária do Banco Central, Francisco Lopes, atacou ontem a rejeição, pelo Congresso, da medida provisória que elevaria as contribuições dos servidores públicos à Previdência.
O Congresso, segundo Lopes, "está decidindo tributar as gerações futuras, que infelizmente não têm representação parlamentar, não podem votar a favor do seu próprio bem-estar".
Por esse raciocínio, a decisão dos parlamentares beneficia os servidores agora, mas piora ainda mais o déficit da Previdência, que se transformará numa dívida maior a ser paga no futuro por todos os contribuintes.
Para o diretor do BC, a defesa das gerações futuras acaba sendo feita, na prática, pelos investidores estrangeiros, que desde setembro têm se negado a emprestar dinheiro ao país enquanto não houver um ajuste das contas do governo.
'"Ao fazer isso, esses investidores externos estão representando as gerações futuras, estão fazendo um papel extremamente saudável de votar, com seus dólares, a favor das gerações futuras."
As declarações de Lopes foram feitas em seminário promovido pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio, sobre as perspectivas das políticas de juros e de câmbio.
Segundo homem na hierarquia de fato do BC, Lopes presidiu um painel sobre a política monetária. O segundo painel da tarde, sobre o câmbio, seria comandado pelo presidente do BC, Gustavo Franco, que não compareceu.
Lopes disse esperar que o governo insista em medidas destinadas a equilibrar as contas da Previdência, após o "contratempo" representado pela decisão de anteontem do Congresso.
"Se não for possível, teremos que pensar outras medidas, ou de corte de despesas ou de aumento de receitas", avaliou.
A tese é simples: a meta de conseguir uma economia de R$ 23,6 bilhões para pagamentos da dívida pública em 99, prometida ao FMI (Fundo Monetário Internacional) em acordo formal, terá que ser cumprida de qualquer maneira.
"Não podemos nos dar ao luxo de brincar em matéria de disciplina fiscal neste país", disse Lopes, que completou: "mais".
A crítica à decisão de anteontem do Congresso foi feita logo no início da exposição do diretor do BC. Depois, a partir de perguntas da platéia, ele fez outras referências aos parlamentares.
Lopes disse que os políticos brasileiros acreditam que não deve haver superávit primário -a economia, pelo setor público, de uma parte da arrecadação de impostos para o pagamento de dívidas.
"É um pouco a idéia de que dívida não se paga", disse Lopes, "que tudo o que tem a ver com juros e dívida é ilegítimo".
² "Medieval"
Tal visão foi qualificada pelo diretor de "medieval", em referência às antigas doutrinas da igreja contra a usura. De forma caricatural, Lopes a comparou à idéia de que cobrar juros "é coisa de judeu".
Em outro momento, questionado sobre por que o ajuste fiscal não avança apesar de contar com a quase unanimidade dos economistas presentes ao seminário, Lopes disse: "Ninguém aqui foi eleito, ninguém aqui tem mandato".
É próprio do regime democrático, argumentou, que um ajuste dessa natureza seja um processo difícil e demorado, muitas vezes com medidas indesejadas, caso do aumento de impostos.
"Dá trabalho explicar", disse, sobre as negociações com o Congresso, "principalmente quando o outro lado não quer entender".



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