|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
A obra dos mandachuvas
Atribuir à chuva é o mais prático. Uma desgraça, calamidade, a força da natureza. Doze
crianças e adultos mortos na
primeira contagem, mais os desaparecidos, milhares de desabrigados. Barra Mansa, Resende
e Volta Redonda inundadas.
Tráfego interrompido na Presidente Dutra e na Rio-Santos.
Destruição em Angra dos Reis,
Itaguaí, Mangaratiba, em mais
de metade do Estado do Rio. E
em toda a Baixada Fluminense.
"Choveu mais em 48 horas do
que em janeiro todo." Ah, então
está explicado. Foi a chuva.
Sabe-se o que foi e, melhor
ainda, sabe-se também o que
não foi: surpresa. A chuva de
agora já era esperada desde o
ano passado. A comprovação
disso está no mais interessante
dos documentos públicos brasileiros que, entre outras originalidades, tem de batismo um nome composto por três partes falsas.
É o Orçamento Geral da
União. Nele foi inscrita, como
um dos gastos do governo federal previstos para 99, a importância de R$ 13,289 milhões. Sua
finalidade, conforme a especificação que a antecedeu no Orçamento mesmo: obras de prevenção de enchentes em 28 municípios do Estado do Rio, todos sujeitos ao transbordamento de
rios em época de chuvas intensas.
Transcrevo as repórteres Flávia de León e Selma Schmidt, em
texto anterior à chuvarada e publicado no "Globo", que é o jornal mais atento, ou menos desatento, às questões governamentais desse gênero:
"Até o início de dezembro, nenhum centavo havia sido liberado dos mais de R$ 13 milhões reservados para obras de contenção de enchentes, canalização,
drenagem e contenção de encostas em 28 municípios fluminenses." A constatação foi feita pelo
ativo gabinete do deputado brasiliense Agnelo Queiroz.
A três dias do fim do ano, o governo federal liberou um terço
da verba que se destinava ao Rio
capital. Os mortos, os desaparecidos, os desabrigados, os bloqueados nas estradas, as cidades
e os cidadãos que sofrem os prejuízos incalculáveis com a inundação estavam, todos, nos 28
municípios que em vão esperaram, durante todo o ano, os restantes R$ 11 milhões e tal para as
obras preventivas.
Os R$ 11 milhões do Orçamento retidos pelo governo federal
correspondem a menos da metade do preço do helicóptero
comprado pela Presidência da
República. Para a utilidade
principal de levar o presidente,
de raro em raro, à sua fazenda,
aquela de origens inexplícitas. O
presidente emergente queria um
helicóptero mais elegante do
que os postos a serviço da Presidência pela FAB.
Não foi a chuva, não. Foram
as chuvas. Uma delas a torrencial leviandade que Brasília despeja sobre o país. Onde os que
fazem o governo estão dispensados de responder pelos sacrificados à farsa da contenção de gastos. Contenção tão estúpida,
mesmo do ponto de vista sempre
beócio do economismo, que o
gasto para remendar os efeitos
do desastre previsto será muitas
vezes maior que os R$ 11 milhões
preventivos.
Texto Anterior: Presidente da OAB defende limite de 60 dias para MPs Próximo Texto: Drogas: Governo quer tomar 79 áreas no "Polígono" em PE Índice
|