São Paulo, Quarta-feira, 05 de Janeiro de 2000


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JANIO DE FREITAS
A obra dos mandachuvas

Atribuir à chuva é o mais prático. Uma desgraça, calamidade, a força da natureza. Doze crianças e adultos mortos na primeira contagem, mais os desaparecidos, milhares de desabrigados. Barra Mansa, Resende e Volta Redonda inundadas. Tráfego interrompido na Presidente Dutra e na Rio-Santos. Destruição em Angra dos Reis, Itaguaí, Mangaratiba, em mais de metade do Estado do Rio. E em toda a Baixada Fluminense. "Choveu mais em 48 horas do que em janeiro todo." Ah, então está explicado. Foi a chuva.
Sabe-se o que foi e, melhor ainda, sabe-se também o que não foi: surpresa. A chuva de agora já era esperada desde o ano passado. A comprovação disso está no mais interessante dos documentos públicos brasileiros que, entre outras originalidades, tem de batismo um nome composto por três partes falsas.
É o Orçamento Geral da União. Nele foi inscrita, como um dos gastos do governo federal previstos para 99, a importância de R$ 13,289 milhões. Sua finalidade, conforme a especificação que a antecedeu no Orçamento mesmo: obras de prevenção de enchentes em 28 municípios do Estado do Rio, todos sujeitos ao transbordamento de rios em época de chuvas intensas.
Transcrevo as repórteres Flávia de León e Selma Schmidt, em texto anterior à chuvarada e publicado no "Globo", que é o jornal mais atento, ou menos desatento, às questões governamentais desse gênero:
"Até o início de dezembro, nenhum centavo havia sido liberado dos mais de R$ 13 milhões reservados para obras de contenção de enchentes, canalização, drenagem e contenção de encostas em 28 municípios fluminenses." A constatação foi feita pelo ativo gabinete do deputado brasiliense Agnelo Queiroz.
A três dias do fim do ano, o governo federal liberou um terço da verba que se destinava ao Rio capital. Os mortos, os desaparecidos, os desabrigados, os bloqueados nas estradas, as cidades e os cidadãos que sofrem os prejuízos incalculáveis com a inundação estavam, todos, nos 28 municípios que em vão esperaram, durante todo o ano, os restantes R$ 11 milhões e tal para as obras preventivas.
Os R$ 11 milhões do Orçamento retidos pelo governo federal correspondem a menos da metade do preço do helicóptero comprado pela Presidência da República. Para a utilidade principal de levar o presidente, de raro em raro, à sua fazenda, aquela de origens inexplícitas. O presidente emergente queria um helicóptero mais elegante do que os postos a serviço da Presidência pela FAB.
Não foi a chuva, não. Foram as chuvas. Uma delas a torrencial leviandade que Brasília despeja sobre o país. Onde os que fazem o governo estão dispensados de responder pelos sacrificados à farsa da contenção de gastos. Contenção tão estúpida, mesmo do ponto de vista sempre beócio do economismo, que o gasto para remendar os efeitos do desastre previsto será muitas vezes maior que os R$ 11 milhões preventivos.


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