São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2006

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/CONEXÃO RIBEIRÃO

Proprietário de aeronave contesta explicação dada por Antonio Palocci a parlamentares de que partido teria custeado viagens

PT não pagou uso de jatinho, diz Colnaghi

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, apresentou uma versão falsa ao contar para a CPI dos Bingos que foi o PT que pagou a conta de um jatinho particular que usou em 2003, quando já integrava o governo do presidente Lula.
Na versão de Palocci, o diretório do PT em São Paulo bancou o transporte dele entre Brasília e Ribeirão Preto em 23 de julho de 2003. "O PT disponibilizou um avião particular, alugou um avião para fazer a viagem", disse o ministro a deputados e senadores no dia 26. A história é uma farsa. Não houve pagamento pelo jatinho.
O dono do avião, o empresário José Roberto Colnaghi, confirmou à Folha que não existiu pagamento do PT pelo uso do jato. Ele só se pronunciou depois que a Folha disse que não encontrara notas fiscais nem recibos de pagamento pelo aluguel do jatinho na prestação de contas dos diretórios estadual e nacional do PT.
A versão de Palocci é particularmente inverossímil porque o jatinho do empresário nunca foi alugado nos cinco anos em que a aeronave está com ele.
Colnaghi é dono de um outro avião, um Seneca, que teria sido usado pelo PT para transportar recursos recebidos de Cuba, segundo a revista "Veja" -o valor varia de US$ 1,4 milhão a US$ 3 milhões, dependendo do interlocutor que conta a história.

As verdades do ministro
Não é a primeira vez que Palocci cai em contradição ao tentar rebater a informação de que pegou carona no avião de Colnaghi quando já era ministro. Em 6 de novembro de 2005, quando a Folha revelou que o ministro pegara carona duas vezes no avião do empresário, Palocci negou que houvesse viajado no jatinho.
A versão não durou 24 horas. No dia em que circulou a reportagem, o ex-deputado federal José Genoino confirmou à Folha que viajara com o ministro no jatinho de Colnaghi na condição de presidente do PT. Contou que o avião saíra de Brasília e havia parado no Rio para que ele embarcasse. Rumaram para Ribeirão, onde participaram da cerimônia de filiação do prefeito da cidade, Gilberto Maggioni, ao PT. No mesmo dia, 23 de julho de 2003, o jatinho levou Palocci de volta a Brasília.
Não era a primeira vez que Palocci voava no Citation Jet, um jatinho para seis passageiros cujo preço varia de US$ 2,5 milhões a US$ 3 milhões. Quando depôs à CPI dos Bingos, em 7 de dezembro, Colnaghi confirmou que levara duas vezes Palocci no jatinho quando ele já era ministro.
Na campanha, Palocci usou o jato "cinco ou seis vezes", segundo o depoimento do empresário na CPI dos Bingos. Em 1º de janeiro de 2003, quando Lula tomou posse, a família de Palocci foi a Brasília no jatinho de Colnaghi.
Ao aceitar a carona no jatinho, Palocci desrespeitou, em tese, o Código de Conduta da Alta Administração Federal. Esse código, que vigora desde agosto de 2000, diz o seguinte em seu artigo 7º: "A autoridade pública não poderá receber salário ou qualquer outra remuneração de fonte privada em desacordo com a lei nem receber transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre a sua probidade ou honorabilidade".
Palocci apresentou a mesma versão de que o PT de São Paulo pagara pelo jatinho à Comissão de Ética Pública do governo. Em dezembro, o órgão aceitou as explicações sem que o ministro apresentasse um único papel para comprovar o que afirmara.
O ministro sustentou que, ao aceitar a aeronave "disponibilizada pelo PT", cumpriu a resolução número sete da Comissão de Ética, que veda a autoridades o uso de bens públicos em atividades político-eleitorais.
O presidente da Comissão de Ética, Fernando Neves, disse à Folha que não é atribuição do órgão investigar se o ministro mentiu. "A gente parte [do pressuposto de] que o ministro está dizendo a verdade. Não tenho como supor que o ministro está mentindo."
A comissão foi criada por meio de decreto presidencial em maio de 1999. Sua função é propor normas de conduta ética para a alta administração pública federal.
Segundo o procurador regional eleitoral de Goiás Hélio Telho Filho, os partidos são obrigados a declarar à Justiça Eleitoral todas as doações estimáveis em dinheiro, como o uso de veículos cedidos por terceiros. Ao não prestar contas dessas doações ao Tribunal Superior Eleitoral, os partidos estão sujeitos a ter suas cotas do Fundo Partidário suspensas. Qualquer partido pode pedir ao TSE que reabra as contas do PT e verifique se houve irregularidade.

República de Ribeirão
Colnaghi, dono de uma das maiores empresas de irrigação do país, conheceu Palocci em 2002, quando o petista era prefeito de Ribeirão em segundo mandato. Quem os apresentou foi Ralf Barquete, assessor de Palocci que teria participado da "operação Cuba", segundo Rogério Buratti, outro membro da chamada República de Ribeirão -grupo que usava a proximidade com o ministro para alavancar negócios.
O mais extraordinário desses negócios não foi concluído. A venda de um banco a empresários de Angola. Em 2002, Colnaghi, Barquete, Buratti e Vladimir Poleto tentaram intermediar a venda de um banco ligado ao Prosper, do Rio, a dirigentes do Banco Regional de Keve, de Angola.
Eles usavam a amizade com o ministro para seduzir os angolanos -diziam que graças a ela o Banco Central agilizaria os trâmites, complexos quando se trata da compra de um banco brasileiro por estrangeiros. O negócio fracassou aparentemente porque os amigos de Palocci notaram que suas conversas eram monitoradas pela polícia numa investigação sobre caixa dois em Ribeirão.
Colnaghi, o mais bem-sucedido entre esses amigos de Palocci, foi acusado por parlamentares de ter se beneficiado da amizade em seus negócios. Uma de suas empresas, a Soft Micro, recebeu R$ 9,4 milhões de Tocantins, por meio de convênio com o Banco do Brasil, pela venda de programas de computador sem licitação. O BB, subordinado à pasta de Palocci, diz que o governo de Tocantins escolheu a empresa. Colnaghi nega ter sido beneficiado.


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