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Ex-guerrilheira é elogiada por militares e vista como "cérebro" do grupo
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Gritos de "mata", "tira a roupa" e "terrorista filha da puta"
receberam Luiza-Dilma no primeiro dia de prisão no pátio do
prédio da rua Tutoia, no Paraíso, zona sul de São Paulo. No local funcionava a Oban, sigla da
Operação Bandeirante, estrutura que integrava as polícias
civis e os serviços de inteligência das Forças Armadas.
As sessões de palmatórias,
choques, chutes e socos até hoje são tratadas com reticências
pela ex-guerrilheira. "Você não
sabe o que é a quantidade de secreção que sai de um ser humano quando ele apanha." Segundo o Tortura Nunca Mais, ela ficou 22 dias no local. Para Dilma, "foi muito tempo" a ponto
de não entender por que todo
mundo ia embora, menos ela.
"A Oban era pau, puramente
interrogatório. O preso ficava lá
até considerarem que não havia mais como conseguir informações", recorda o hoje economista José Olavo Leite Ribeiro.
A ministra foi uma guerrilheira que até hoje impressiona
os militares. Colecionou epítetos superlativos nos relatórios
da repressão, que a definiram
como "um dos cérebros" de esquemas revolucionários.
"Era a grande dirigente da
VAR-Palmares. Era realmente
boa guerrilheira. A gente tem
que respeitar ambos os lados",
disse à Folha Maurício Lopes
Lima, integrante de uma equipe de busca da Oban, na época
capitão do Exército e agora militar da reserva de 73 anos.
Foi a primeira vez que aceitou falar de Dilma. Ele nega tê-la torturado, mas não diz o
mesmo dos colegas. "A história
dela era furada demais."
Com a militante a tiracolo,
ele visitou diferentes pontos de
São Paulo em busca de informações. "Ela se preparou mais
para jogar conosco. É gato e rato. Ela tenta fugir, a gente tenta
encontrar", explicou ele.
À Justiça Militar Dilma citou
Lima como um dos torturadores. Disse ter recebido visita no
presídio Tiradentes, onde ficou
por três anos, da equipe chefiada pelo capitão, que a ameaçou
com novas agressões uma semana antes desse depoimento,
em 21 de outubro de 1970. À
Folha, porém, ela afirmou que
o militar jamais a torturou, mas
não o eximiu de responsabilidade. "Ele entrava na sala e via
tortura, tenho certeza."
Depoimento
Em 26 de fevereiro, 40 dias
depois de presa, Dilma havia
assinado depoimento à Polícia
Civil com detalhes de sua trajetória e nomes de colegas das organizações em que militou.
Diante da Justiça Militar, ela
reconheceu sua assinatura,
mas repeliu todas as declarações -segundo ela, obtidas sob
tortura. A Folha obteve a íntegra dos dois depoimentos, assim como dos relatórios dos órgãos da repressão que mencionam Dilma, hoje arquivados no
Superior Tribunal Militar.
Em 20 de janeiro de 1969,
sem saber que ela estava presa,
o operário Natael Custódio foi
a um encontro marcado com
Luiza-Dilma. Foi capturado.
"Ela foi muito torturada e levou a polícia. Não teve jeito",
diz o agora caminhoneiro que
vive em Londrina (PR).
Custódio, 65, não se diz atormentado com o passado. Lamenta, sim, o fato de a ministra
nunca ter respondido a carta
que ele enviou. "Depois que
chegam lá em cima, fica difícil.
Mas gosto demais dela." O caminhoneiro há cinco anos escreveu pedindo ajuda para ser
anistiado. Ainda não desistiu
de receber a indenização.
Quando ficou presa no prédio da Oban, Dilma indicou endereços e acompanhou policiais a ao menos uma casa de
militantes. Segundo ela, indicavam-se "pontos [local de encontro] para parar de apanhar". Custódio, contudo, não
é um dos quatro nomes de
companheiros presos logo depois da captura da guerrilheira.
No depoimento da auditoria
militar, Dilma citava que "em
consequência direta de sua
queda caíram Maria Joana [Teles Cubas], João Ruaro, Savério
[Carlos Savério Ferrante] e Vicente [José Vicente Corrêa]".
Dilma confirmou à Folha ter
dito que os quatro colegas caíram porque ela havia sido presa. "É. Caíram, ponto." A reportagem localizou Ferrante, que
não quis falar sobre a prisão.
Para o delegado Newton Fernandes, que investigou a VAR
em São Paulo e traçou o perfil
de 30 dos 70 integrantes, Dilma era muito mais do que a
responsável pela distribuição
do dinheiro. "Através de seu interrogatório, verifica-se ser
uma das molas mestras e um
dos cérebros dos esquemas revolucionários postos em prática pelas esquerdas radicais",
diz no relatório, cujo conteúdo
nem a ministra conhecia.
O promotor que denunciou a
VAR disse que Dilma "chefiou
greves e assessorou assaltos a
bancos" e a definiu como "Joana d'Arc da subversão". A comparação hoje provoca gargalhadas da ministra.
(FO)
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