São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Van Agt (quem?) fecha o tempo

Um nome para prestar atenção, apesar da sopa de consoantes: Andries van Agt. Tem 71 anos, foi primeiro-ministro da Holanda de 1987 a 1992. É um católico praticante da velha cepa. Milita contra o aborto e escreve coisas assim:
"Devemos alterar drasticamente o nosso estilo de vida hedonístico e multiplicar nossa generosidade para com as nações em desenvolvimento, dando-lhes mais acesso aos nossos mercados e mais assistência para habilitá-las a fazer sua parte para conter o avanço das ameaças contra a humanidade".
Na tarde de quinta-feira, dia 25, ele estava em Boston, no pátio da Harvard Business School, para um painel sobre "os paradoxos da globalização". Dividia a mesa com um ex-presidente da Suíça e ex-primeiros-ministros do Canadá e da Austrália. Eles e mais o banqueiro George Soros.
A reunião ia morna até que chegou sua vez de falar. Sua tese: "Hoje, o perigo para a paz mundial chama-se Estados Unidos da América do Norte". Condenou a política de George Bush e, numa linguagem direta, foi listando temas. Tentativas de redução das armas e experiências nucleares? Os Estados Unidos nem sequer dignaram-se a mandar representante a uma reunião em que se discutiu o assunto. Ambiente: os Estados Unidos, expressamente, recusam-se a assinar o Protocolo de Kyoto. Martelou exemplos de desprezo do governo americano por tudo o que se pareça com cooperação internacional.
A fala de Van Agt irritou uma parte da platéia de 500 pessoas. Depois, num pequeno jantar, os americanos que estavam no painel foram cobrados por terem respondido timidamente ao que se considerou um comentário insultuoso. Um ouvido atento chegou a captar a seguinte observação: "Como é que se convida uma pessoa para vir dizer esse tipo de coisas aqui?".
Quando um conservador europeu como Van Agt diz o que ele disse em Harvard, vê-se o tamanho da confusão que George W. Bush está espalhando por aí. Até há bem pouco tempo, o ex-primeiro-ministro holandês e Bush estavam juntos, na organização Europartners, que reúne empresários e políticos cristãos. Não se deve pensar que Van Agt diz o que disse para sair no jornal. Em geral, diz da imprensa coisas que poucos jornalistas gostam de ouvir.
Vale registrar que, na mesma ocasião, o banqueiro George Soros falou por uns dez minutos -disse que o mercado fracassou na tentativa de ordenar as finanças mundiais. Soros, que nasceu na Hungria e chegou pobre aos Estados Unidos, lembrou que pela primeira vez em sua vida está assistindo a uma interdição do debate no país. Ninguém se incomodou, pois Soros é figurinha fácil.

Quem está de salto alto é o chanceler Lafer

FFHH sugeriu que Lula evite o "salto alto" e lembrou-lhe que "um pouquinho de humildade é bom, ajuda". FFHH sempre se comportou em relação aos seus adversários políticos com uma elegância que deixará saudades. Nesse caso, mesmo reconhecendo que o conselho é útil, seu endereço está errado. Até agora Lula subiu muito pouco o salto de seus sapatos. Não calça havaianas, mas também não passa de um discreto salto anabella. Salto alto mesmo é o do chanceler Celso Lafer, e é a ele que FFHH deve pedir para baixar o modelo agulha em que subiu, daqueles de furar tapete. Deu-se a dons proféticos e anunciou, em Madri: "Lula voltará a perder."
Não é justo que uma autoridade viaje com o dinheiro da Viúva (onde estão também os impostos pagos pelas pessoas que querem votar em Lula) para fazer esse tipo de profecia.
Muito melhor faria o chanceler Lafer se desse uma olhada na nota oficial que a embaixada do Brasil em Tel Aviv acaba de divulgar, prestando contas da assistência que oferece aos brasileiros que estão na Palestina.
Ele conta o seguinte:
"O setor consular da embaixada vem recebendo uma média diária de dez a 12 telefonemas com pedidos de assistência e orientação por parte de cidadãos brasileiros. (...) Já para os casos de assistência emergencial, os nacionais brasileiros necessitados têm sido instruídos a se dirigirem a instituições humanitárias como a Red Crescent Cross e a Cruz Vermelha Internacional".
Traduzindo: se um brasileiro ligar para o consulado numa emergência, pedindo algum tipo de amparo, será mandado para uma instituição de caridade. Para esse tipo de assistência, os brasileiros não precisam do consulado, muito menos de embaixada ou chanceler. Trata-se de uma assistência disponível para todos os bípedes do planeta (com jeito, até para quadrúpedes).
Com salto agulha, Celso Lafer não pode ajudar os brasileiros aperreados na Palestina. Mas a choldra descalça pode eleger Lula.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e acredita em tudo o que os analistas de bancos internacionais dizem. Por idiota, ele conta como seu analista (de neuroses) ganhou um dinheirinho fácil em janeiro de 1999.
No auge da crise de confiança provocada pelo colapso do populismo cambial, o então presidente argentino, Carlos Menem, sugeriu publicamente que o Brasil adotasse um plano de conversibilidade da moeda. Em Washington e Brasília, o FMI fez a mesma proposta, mas FFHH rejeitou-a. Num e noutro caso seria necessário um calote da dívida.
Até aí, tudo bem. No dia 20 de janeiro, uma quarta-feira, os papéis da dívida de Pindorama estavam cotados a 58,75% do seu valor de face. No dia 22, o analista Lawrence Brainard escreveu um artigo no boletim "Chase Securities" dizendo que o Brasil deveria adotar um "Plano Brady doméstico". (Traduzindo: um calotezinho na dívida interna, transformando-a em papéis de cinco a dez anos de prazo, com juros de 6% ao ano.) No dia 25, segunda-feira da semana seguinte, os papéis caíram a 50,25% do valor de face. Passados seis dias úteis, voltaram a valer 58%. Quem comprou na baixa e vendeu na alta ganhou 15% em sete dias úteis.
Naquela semana, em Nova York, ninguém ganhou dinheiro de maneira tão fácil.
Eremildo não entende por que tanta gente acha que as previsões dos analistas relacionam-se com o debate político. O idiota vive convencido de que eles falam para ganhar dinheiro e são ouvidos por gente que quer ganhar dinheiro. Fazem muito bem, e bobo é quem não lhes dá atenção, para ganhar dinheiro.

ProFFHH

FFHH já sabe que, no dia seguinte ao seu desemprego, terá à sua disposição uma cátedra de assuntos brasileiros numa grande universidade americana.

Falsa esperteza

O governador Geraldo Alckmin riu quando lhe perguntaram se pagara R$ 2.500 pelo prato de comida que seu partido cobrou ao andar de cima para um jantar com ele e com o candidato José Serra. Fez até piada: "Recebi o convite. Ou vocês acham que eu pagaria R$ 2.500?".
Fica entendido que ele não pagaria R$ 2.500 para jantar com Geraldo Alckmin e José Serra. Resta-lhe uma obrigação: indagar-se por que tanta gente, muito mais rica e muito mais esperta do que ele, achou melhor pingar esse capilé no papo dos tucanos.

Marta@Luis

Caiu na internet uma mensagem eletrônica endereçada pelo publicitário Celso Marcondes a Luis Favre, companheiro da prefeita Marta Suplicy. Tratava de uma estratégia de divulgação para o trabalho que a administração petista vem fazendo na área da educação, incluindo o propósito de "cavar artigos assinados". (Este não é um deles.)
Para quem já viu o Banco Central tramitar um estudo de primo especialista em telecomunicações, namorado tratando de publicidade é novidade, ainda que menor. A prefeita Marta Suplicy explicou o sucedido informando que, como não tem o hábito de abrir regularmente sua caixa de correspondência, há pessoas que enviam mensagens a Favre e ele as repassa. De fato, a mensagem destina-se a "Marta (via Luis)".
O texto do recado, porém, confunde quem o lê.
Mesmo destinando-se a "Marta", ela é mencionada duas vezes como terceira pessoa, numa mensagem em que o destinatário é chamado duas vezes de "você". A saber:
A certa altura, o texto sugere dez providências, entre elas um "comercial de 30 segundos do PT, com Marta falando sobre o tema". Propõe também que se cuide da "agenda de Marta privilegiando a área".
A prefeita pode resolver o problema com facilidade. Basta criar um novo endereço postal para si. Poderia se chamar "Marta do B" e seria aberto por todas as pessoas a quem ela desse a senha. Pode até usar o portal francês de Favre, pois ele lhe oferece, de graça, um número ilimitado de endereços eletrônicos.

ENTREVISTA

Horacio Verbitsky

(60 anos, autor de "O Vôo", colunista do diário argentino "Pagina/12")

-Como estará a Argentina daqui a seis meses?
-Pior do que hoje. Se tudo correr como o governo espera, no fim do ano haverá 20 milhões de argentinos (mais da metade da população) abaixo da linha da pobreza. A maioria dessas pessoas são jovens. Essa situação eleva os índices de criminalidade, estimulando idéias de "limpeza social" e o uso do "gatilho fácil". Estamos atravessando um processo de lenta e dolorosa deterioração. Não há desfecho previsível. O presidente Eduardo Duhalde pode se manter no poder? Não. Pode-se fazer uma eleição antecipada no meio de uma crise dessas? Não. Pode haver um golpe militar? Não. Uma tomada do poder por um grupo revolucionário? Também não. Se nada é possível, o mais provável é que continue tudo como está. Continuaremos debaixo da ameaça de uma hiperinflação, mesmo sabendo-se que, depois de uma recessão que já entrou no quarto ano, será coisa socialmente muito arriscada. Continuarão as pressões para a dolarização, mas isso significará uma capitulação nacional. Nosso problema imediato é a capacidade do presidente Duhalde de criar encrencas. Ele não define uma política e, quando a define, faz o contrário do que anunciou. Duhalde é um Fernando de la Rúa com a câmera acelerada. De la Rúa demorava-se sobre os problemas e resolvia tudo errado. Duhalde decide uma coisa de manhã e o contrário à tarde.
-Há cinco anos o senhor dizia que o presidente Carlos Menem buscava a reeleição porque o desejo de ficar em liberdade é um sentimento natural ao gênero humano. Depois que ele foi preso, não lhe fica a impressão de que os cárceres argentinos deveriam receber mais hóspedes desse tipo?
-Menem foi preso, Domingo Cavallo está preso e mais três ministros daquele governo estiveram presos. Infelizmente, isso nada tem a ver com a lei ou com o Estado de Direito. Pelo contrário. Menem e Cavallo pulverizaram o Estado de Direito argentino. Hoje, o fato de uma pessoa estar presa não significa que ela seja culpada, assim como o fato de ter sido absolvida não significa que seja inocente. No caso de Menem e Cavallo, mesmo sendo responsáveis pela destruição da economia e da sociedade argentinas, não foram presos pelo que fizeram no governo, mas porque estavam fora dele. Enquanto estiveram no poder, protegeram-se construindo imunidades. Terminado um, cessaram as outras. Há poucas semanas, o chefe do serviço de inteligência do governo, um civil, reuniu-se com oito juízes e determinou-lhes que prendessem Cavallo e dois banqueiros. Cavallo está preso e um dos banqueiros também. Esses procedimentos estão mais para circo do que para o cumprimento da lei. Não se pode falar em Estado de Direito diante de um governo que confisca o dinheiro dos cidadãos.
-Depois de ter caído no conto do vigário da conversibilidade de um peso por um dólar, a Argentina não corre o risco de cair em outro conto, o da dolarização?
-Corre. Nós chamamos isso de "cuento del tio". Vamos deixar clara uma coisa: ninguém nos aplicou um conto. A conversibilidade foi feita por Menem e Cavallo contra o desejo do FMI. A banca internacional também foi contra, mas depois tornou-se sócia. Ela ganhou enquanto havia a ganhar e, quando prenunciou-se a ruína, levou seu dinheiro embora. O que se discute agora é quem vai carregar nas costas o fardo de uma contração de 40% da economia argentina. A desvalorização do peso atendeu aos interesses de quem tinha dinheiro fora do país e de quem exporta. A meu ver, está passando despercebida uma característica da dolarização, que é o desmanche do Mercosul e a modificação da essência das relações da Argentina com o Brasil. A dolarização atende aos interesses dos Estados Unidos. Ela destrói o Mercosul e tira do caminho um obstáculo para a Alca. Além disso, a agonia econômica da Argentina serve aos interesses americanos para levantar espantalhos contra a possibilidade de uma vitória eleitoral de Lula. Nesse sentido, o governo do presidente Bush está sendo muito astucioso. Conduz a nossa crise de forma a tirar proveito dela e, no ricochete, de forma a abalar a posição externa e interna do Brasil.



Texto Anterior: "Perito" fez laudo "inconsistente"
Próximo Texto: No Planalto - Josias de Souza: Brasília se mexe para livrar "filantropia" das aspas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.