São Paulo, terça-feira, 05 de maio de 2009

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JANIO DE FREITAS

Leis de prensa


Em uma ou outra direção, conviria o debate em torno de alguma legislação nova ou não, inovadora ou não, acelerar-se

O DEBATE suscitado pela invalidação total da Lei de Imprensa, decidida por 7 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, tem razão de ser, dadas as nebulosidades que restam quanto à chamada liberdade de imprensa, mas segue na mesma visão, mais que secular, limitada e óbvia: as empresas de comunicação são entes maléficos em tudo, e nas atividades dos jornalistas e seus problemas nem se pensa coisa alguma.
O jornalismo não é uma atividade propriamente comum. Daí não se deduz que seja mais importante do que qualquer outra, muito menos daquelas que têm relação direta com a preservação da vida ou da liberdade justificada. Mas, apesar de pouco conhecidas, são inegáveis muitas particularidades que começam nas urgências da produção de um jornal ou telejornal, com todos os riscos aí inerentes, até a magnitude das suas implicações sociais, políticas, econômicas e morais -que pesam com o mesmo peso sobre uma empresa e sobre grande parte dos jornalistas.
O debate está concentrado, porém, no direito de resposta e de eventual ressarcimento dos que sejam ou se apresentem como atingidos por notícia ou comentário jornalístico. A discussão se dá em torno da necessidade de uma lei própria para tais situações, por consequência do que muitos chamam de vácuo deixado pelo fim da Lei de Imprensa; e, segundo outra corrente, da desnecessidade de mais do que o direito de resposta e indenização previsto na Constituição e presente nos códigos Civil e Penal.
As duas linhas são convencionais. O ministro-relator Ayres Britto incluiu em seu voto a ressalva de que nenhuma indenização pode incorrer em "excessividade", devendo mesmo ser "módica" quando devida a agente público. Em todos os casos, no entanto, como já previsto, devem ser "proporcionais ao dano". Mas como fixar, com segura justiça, o que é excessivo e o que é módico em relação a um dano, mesmo que evidente, sempre sujeito à mensuração imprecisa?
Ainda antes: a honra pode ser restituída ou recuperada por valor monetário? Ou induzir este despropósito consagrado resultou da criação de um truque elitista para evitar outras punições, para engordar bolsos menos interessados na própria honra do que no dinheiro, e, fechando a feliz associação, para aparentar um ato de Justiça?
Nas condições de atividade impostas pela jornalismo, sobretudo o jornalismo diário, não devem ser relegados, por quem queira considerar com justiça os efeitos desse jornalismo, fatores como o propósito, o acaso, a possibilidade de confirmação tardia, a admissão de retratações, e outros. Fatores que podem ficar bem entregues a bons juízes, mas que contribuiriam muito para uma imprensa séria, segura dos seus limites e possibilidades, e sem a preferência tão comum pela autocensura preventiva. Imprensa, aí, significando tanto empresas como jornalistas, estes talvez até mais dados à autocensura.
As contestações mais simples são bom exemplo da visão limitada posta no atual debate. Hoje em dia há assessores de imprensa para todos os lados e todos os quilates. Se entre eles reconhece-se trabalho respeitável e útil, o fato é que a qualquer pretexto lá vem contestação com pretensões à publicação. E a tendência de alguns jornais já é querer publicá-las, e não só os elogios. Um avanço que ainda encontra muitas resistências, mas irá em frente. Pois bem, o tal dano à honra incide aí, com frequência, sobre o jornalista sério.
A maioria das "contestações" é um blablablá vazio, e, no entanto, ainda assim com sua publicação cobrada ou feita em nome da ética. Se é verdade que ainda bastam resposta de jornalistas (ou ficcionistas) do tipo "um interlocutor do ministro disse", algo precisa proteger a publicação séria com a exigência formal de que a contestação, para ter o direito inquestionável a ser publicada, seja objetiva e frontal aos fatos citados. Seria uma defesa justa do jornalismo cuidadoso e do jornal que se queira respeitado.
Em uma ou outra direção, o debate em torno de alguma legislação nova ou não, inovadora ou não, conviria acelerar-se, porque a atual opacidade ameaça fazer aos jornais o mesmo mal que vem fazendo às editoras de livros, com censura judicial e, por cautela, autocensura.


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