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CELSO PINTO
Tributos, reforma ou revolução?
Os principais candidatos
à Presidência prometem
reformar o sistema tributário, em
alguns casos, de forma radical.
Será que o sistema tributário brasileiro é mesmo tão ruim?
Nem tanto, a se julgar pelas discussões em que ele esteve envolvido, semana passada, na 2ª Conferência Internacional sobre Federalismo, em St. Gallen, na Suíça
(a primeira conferência foi em 99,
no Canadá). O encontro reuniu
600 participantes de 58 países, entre políticos, acadêmicos, ONGs,
jornalistas e estudantes. Foi aberto por um personagem que Ciro
Gomes disse inexistir, o presidente suíço, Kaspar Villiger, e teve a
participação de vários presidentes
e primeiros-ministros. Foram três
temas em quatro dias de debates:
o federalismo e as relações exteriores; o federalismo e o manejo
de conflitos em sociedades multiculturais; e o federalismo fiscal e a
distribuição de responsabilidades.
O federalismo, como forma de
governo que reúne entes subnacionais (Estados, Cantões, províncias, países etc.), com graus
importantes de autonomia, existe
há 200 anos. Sua importância,
contudo, é crescente. Hoje, 25 países, onde vivem 40% da população mundial, são federações. Entre os ricos estão Estados Unidos,
Alemanha, Canadá, Bélgica, Itália, Austrália e, em certos aspectos, a União Européia. Brasil, Índia, México, Argentina e África
do Sul são federações entre os
emergentes.
Os colapsos recentes de duas federações, a União Soviética e a
Iugoslávia, não impediram que
seus sucessores principais, a Rússia e a nova Iugoslávia, sejam federações. Como disse o primeiro-ministro canadense, Jean Chrétien, "só o federalismo permite
juntar unidade e diversidade". O
primeiro-ministro belga, Guy
Verhofstadt, foi além, ao prever
que, se o "Estado-Nação" marcou
o século 20, o federalismo marcará o século 21. O federalismo, argumentou, é a melhor forma de a
Europa funcionar e a única para
resolver conflitos como o palestino.
Ficou claro nos debates, no entanto, que o federalismo não tem
receita única. Existem tendências,
como a maior descentralização
na formulação de políticas externas, empurrada, em parte, pela
globalização (verdade, em especial, na Suíça, onde, dos 26 Cantões, 16 têm fronteiras internacionais). Ou a solução de conflitos
entre minorias via federalismo,
com ou sem a interferência de organismos internacionais, como a
ONU.
São problemas menos relevantes no Brasil, uma federação com
unidade cultural e religiosa (a Índia, por exemplo, tem 18 línguas
oficiais e 6.000 dialetos; a Bélgica
e a Suíça têm três línguas oficiais;
o Canadá, duas). A discussão sobre o federalismo fiscal, contudo,
é relevante. A conclusão de St.
Gallen foi que uma federação baseada em democracia constitucional deve observar vários princípios fiscais. A melhor forma de
oferta de serviços públicos é a
maior descentralização possível,
de preferência, financiados também por receitas descentralizadas. Os sistemas devem ser transparentes e objetivos. Deve haver
alguma forma de equalização,
que minimize as diferenças entre
regiões, mas preservando algum
grau de competição.
Na vida real, cada federação lida com essas questões a seu modo. O sistema brasileiro é um
exemplo positivo de descentralização: existem impostos importantes nos níveis federal, estadual
e municipal e uma distribuição
razoável de tarefas. Na Índia, por
exemplo, o sistema é centralizado, e muitos países emergentes só
conseguem arrecadar via governo
central.
A equalização, no Brasil, é feita
por um amplo sistema de transferências e há competição tanto
vertical (governo federal e outros
níveis) como horizontal (Estados
entre si ou municípios entre si). O
sistema é razoavelmente transparente e com grande capacidade de
arrecadação.
Os problemas estão em aspectos
do sistema, como ficou claro numa mesa redonda que discutiu o
caso brasileiro e na comparação
com outros países. Ter competição fiscal pode ser saudável, até
como forma de criar limites para
a expansão do Estado. O problema é quando ela afeta a capacidade de conduzir políticas macroeconômicas saudáveis, prejudica a função redistributiva que o
governo federal deveria ter ou vira predatória.
O aumento das transferências
federais para Estados e municípios na Constituição de 88, ao lado da necessidade de ajustes fiscais crescentes, levou o governo
federal a lançar mão de impostos
ruins e regressivos, argumentou
Ricardo Varsano, do Ipea. Entre
Estados, a competição predatória
só existe porque o ICMS é cobrado
na origem, não no destino, ao
contrário da maioria dos países.
Uma forma de competição saudável seria no gasto, sugeriu Jorge
Jatobá, secretário da Fazenda de
Pernambuco. Seu Estado aplica o
princípio: parte do repasse de recursos para os municípios obedece a critérios mensuráveis de eficiência no gasto. Quem não cumpre não leva os recursos.
Entre os ricos, a Suíça é um
exemplo de país onde há forte
competição entre os Cantões (que
fixam Imposto de Renda e sobre a
propriedade); a Alemanha e os
Estados Unidos são exemplos
opostos. Mas estudos da OCDE
indicam que, mesmo onde há forte competição e incentivos fiscais
às empresas, a decisão de investir
está muito mais ligada à qualidade da infra-estrutura do que a
vantagens fiscais.
As transferências no Brasil são
amplas, criando um sistema de
equalização razoável. Alemanha
e Canadá são exemplos de países
com forte equalização; a Suíça
não, mas está caminhando nessa
direção. São dois os problemas no
Brasil, na análise de Luiz Villela,
do BID. Em alguns pequenos Estados, as transferências representam até 95% da receita, e a existência de um piso mínimo cria
distorções. Em termos per capita,
o Acre, por exemplo, recebe mais
do que São Paulo. O mínimo de
transferência federal no caso municipal, por sua vez, levou à cara e
desnecessária proliferação de municípios.
A dificuldade no federalismo
fiscal, lembrou Fernando Rezende, da FGV, é equilibrar descentralização com equalização e
competição. É importante corrigir
as distorções, mas é preciso cuidado para não jogar fora o que se
construiu de positivo.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
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