São Paulo, quinta-feira, 05 de setembro de 2002

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CELSO PINTO

Tributos, reforma ou revolução?

Os principais candidatos à Presidência prometem reformar o sistema tributário, em alguns casos, de forma radical. Será que o sistema tributário brasileiro é mesmo tão ruim?
Nem tanto, a se julgar pelas discussões em que ele esteve envolvido, semana passada, na 2ª Conferência Internacional sobre Federalismo, em St. Gallen, na Suíça (a primeira conferência foi em 99, no Canadá). O encontro reuniu 600 participantes de 58 países, entre políticos, acadêmicos, ONGs, jornalistas e estudantes. Foi aberto por um personagem que Ciro Gomes disse inexistir, o presidente suíço, Kaspar Villiger, e teve a participação de vários presidentes e primeiros-ministros. Foram três temas em quatro dias de debates: o federalismo e as relações exteriores; o federalismo e o manejo de conflitos em sociedades multiculturais; e o federalismo fiscal e a distribuição de responsabilidades.
O federalismo, como forma de governo que reúne entes subnacionais (Estados, Cantões, províncias, países etc.), com graus importantes de autonomia, existe há 200 anos. Sua importância, contudo, é crescente. Hoje, 25 países, onde vivem 40% da população mundial, são federações. Entre os ricos estão Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Bélgica, Itália, Austrália e, em certos aspectos, a União Européia. Brasil, Índia, México, Argentina e África do Sul são federações entre os emergentes.
Os colapsos recentes de duas federações, a União Soviética e a Iugoslávia, não impediram que seus sucessores principais, a Rússia e a nova Iugoslávia, sejam federações. Como disse o primeiro-ministro canadense, Jean Chrétien, "só o federalismo permite juntar unidade e diversidade". O primeiro-ministro belga, Guy Verhofstadt, foi além, ao prever que, se o "Estado-Nação" marcou o século 20, o federalismo marcará o século 21. O federalismo, argumentou, é a melhor forma de a Europa funcionar e a única para resolver conflitos como o palestino.
Ficou claro nos debates, no entanto, que o federalismo não tem receita única. Existem tendências, como a maior descentralização na formulação de políticas externas, empurrada, em parte, pela globalização (verdade, em especial, na Suíça, onde, dos 26 Cantões, 16 têm fronteiras internacionais). Ou a solução de conflitos entre minorias via federalismo, com ou sem a interferência de organismos internacionais, como a ONU.
São problemas menos relevantes no Brasil, uma federação com unidade cultural e religiosa (a Índia, por exemplo, tem 18 línguas oficiais e 6.000 dialetos; a Bélgica e a Suíça têm três línguas oficiais; o Canadá, duas). A discussão sobre o federalismo fiscal, contudo, é relevante. A conclusão de St. Gallen foi que uma federação baseada em democracia constitucional deve observar vários princípios fiscais. A melhor forma de oferta de serviços públicos é a maior descentralização possível, de preferência, financiados também por receitas descentralizadas. Os sistemas devem ser transparentes e objetivos. Deve haver alguma forma de equalização, que minimize as diferenças entre regiões, mas preservando algum grau de competição.
Na vida real, cada federação lida com essas questões a seu modo. O sistema brasileiro é um exemplo positivo de descentralização: existem impostos importantes nos níveis federal, estadual e municipal e uma distribuição razoável de tarefas. Na Índia, por exemplo, o sistema é centralizado, e muitos países emergentes só conseguem arrecadar via governo central.
A equalização, no Brasil, é feita por um amplo sistema de transferências e há competição tanto vertical (governo federal e outros níveis) como horizontal (Estados entre si ou municípios entre si). O sistema é razoavelmente transparente e com grande capacidade de arrecadação.
Os problemas estão em aspectos do sistema, como ficou claro numa mesa redonda que discutiu o caso brasileiro e na comparação com outros países. Ter competição fiscal pode ser saudável, até como forma de criar limites para a expansão do Estado. O problema é quando ela afeta a capacidade de conduzir políticas macroeconômicas saudáveis, prejudica a função redistributiva que o governo federal deveria ter ou vira predatória.
O aumento das transferências federais para Estados e municípios na Constituição de 88, ao lado da necessidade de ajustes fiscais crescentes, levou o governo federal a lançar mão de impostos ruins e regressivos, argumentou Ricardo Varsano, do Ipea. Entre Estados, a competição predatória só existe porque o ICMS é cobrado na origem, não no destino, ao contrário da maioria dos países. Uma forma de competição saudável seria no gasto, sugeriu Jorge Jatobá, secretário da Fazenda de Pernambuco. Seu Estado aplica o princípio: parte do repasse de recursos para os municípios obedece a critérios mensuráveis de eficiência no gasto. Quem não cumpre não leva os recursos.
Entre os ricos, a Suíça é um exemplo de país onde há forte competição entre os Cantões (que fixam Imposto de Renda e sobre a propriedade); a Alemanha e os Estados Unidos são exemplos opostos. Mas estudos da OCDE indicam que, mesmo onde há forte competição e incentivos fiscais às empresas, a decisão de investir está muito mais ligada à qualidade da infra-estrutura do que a vantagens fiscais.
As transferências no Brasil são amplas, criando um sistema de equalização razoável. Alemanha e Canadá são exemplos de países com forte equalização; a Suíça não, mas está caminhando nessa direção. São dois os problemas no Brasil, na análise de Luiz Villela, do BID. Em alguns pequenos Estados, as transferências representam até 95% da receita, e a existência de um piso mínimo cria distorções. Em termos per capita, o Acre, por exemplo, recebe mais do que São Paulo. O mínimo de transferência federal no caso municipal, por sua vez, levou à cara e desnecessária proliferação de municípios.
A dificuldade no federalismo fiscal, lembrou Fernando Rezende, da FGV, é equilibrar descentralização com equalização e competição. É importante corrigir as distorções, mas é preciso cuidado para não jogar fora o que se construiu de positivo.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br



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