São Paulo, terça-feira, 05 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gustavo Ioschpe

O voto dos nulos

VOCÊ SE LEMBRA da consternação nacional com o alto índice de votos brancos e nulos na última eleição? Das propostas de reforma política destinada a aplacar o descontentamento dos que votaram branco/nulo? E das eleições que foram canceladas pelo fato de mais da metade do eleitorado ter invalidado seu voto? Lembra?
Se não se lembra, não fique preocupado: é que nunca aconteceu. O voto em branco ou nulo não é uma forma de protesto, não é um grito "contra tudo isso que está aí". Por uma simples razão: ele é solenemente ignorado. E é ignorado porque quem pode fazer a reforma para mudar o sistema foi eleito através do sistema roto e, portanto, não tem lá grandes interesses de mudá-lo. Por isso não é o voto que se invalida, mas o eleitor. Quem vota branco ou nulo simplesmente some do radar político. Seu desaparecimento não será fonte de consternação nem reforma.
Pelo contrário. Quem anula o voto está, na verdade, dando um voto ao candidato líder das pesquisas. Nas eleições parlamentares isso não faz muita diferença. Mas em uma eleição majoritária de dois turnos o efeito pode ser decisivo.
Pois é de se imaginar que a maioria daquelas pessoas que decidem anular seu voto o fazem por um sentimento de revolta com a bandalheira que virou o país. São pessoas que provavelmente não votariam no atual presidente. Mas, ao anularem os votos, estão fazendo exatamente isso.
Imagine que o eleitorado consiste de cem votantes e que 41 pretendem votar no candidato A, 24, no B, 10, no C e 5, no D. Vinte pretendem anular/votar em branco/ficar em casa. Resultado: com 41 de 80 votos válidos, o candidato A se elege em primeiro turno. Se os 20 descontentes espalhassem seus votos entre os outros candidatos, teríamos segundo turno.
Aí o nulo diz: "Mas eu também não quero votar no B nem no C nem no D. Nenhum deles me representa". OK. Mas cabem três ponderações. Primeira: não existe o candidato perfeito.
Eleição não é exercício de criação do candidato ideal, mas de escolha do menos pior dentre os postulantes.
Quando uma pessoa politizada a ponto de querer usar o voto como arma de protesto o joga fora, o que ela está fazendo é reforçar o peso dos outros eleitores.
Delega-se a escolha para pessoas que talvez se importem menos.
Segunda: em uma eleição de dois turnos, não anular o voto significa comprar tempo. Vai que o seu anticandidato acaba indo para o segundo turno e nesse tempo você se convence da habilidade do sujeito? Apesar da absoluta modorra que tem sido essa campanha, mais tempo para discutir propostas e projetos é sempre positivo. E, finalmente, eleger um candidato em primeiro turno significa fortalecê-lo sobremaneira.
Aquele que quer anular seu voto por protesto ao sistema vai acabar reforçando os mandarins do sistema que rejeita. Não faz sentido.


GUSTAVO IOSCHPE é mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Yale (EUA)


Texto Anterior: Propaganda de Alckmin que faz crítica a Lula é proibida pelo TSE
Próximo Texto: Eleições 2006/Presidência: Ex-governador de Goiás muda versão sobre relato de mensalão a presidente
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.