|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Gustavo Ioschpe
O voto dos nulos
VOCÊ SE LEMBRA da
consternação nacional com o alto índice
de votos brancos e nulos na
última eleição? Das propostas de reforma política destinada a aplacar o descontentamento dos que votaram branco/nulo? E das
eleições que foram canceladas pelo fato de mais da metade do eleitorado ter invalidado seu voto? Lembra?
Se não se lembra, não fique preocupado: é que nunca aconteceu. O voto em
branco ou nulo não é uma
forma de protesto, não é
um grito "contra tudo isso
que está aí". Por uma simples razão: ele é solenemente ignorado. E é ignorado
porque quem pode fazer a
reforma para mudar o sistema foi eleito através do sistema roto e, portanto, não
tem lá grandes interesses
de mudá-lo. Por isso não é o
voto que se invalida, mas o
eleitor. Quem vota branco
ou nulo simplesmente some do radar político. Seu
desaparecimento não será
fonte de consternação nem
reforma.
Pelo contrário. Quem
anula o voto está, na verdade, dando um voto ao candidato líder das pesquisas.
Nas eleições parlamentares
isso não faz muita diferença. Mas em uma eleição majoritária de dois turnos o
efeito pode ser decisivo.
Pois é de se imaginar que a
maioria daquelas pessoas
que decidem anular seu voto o fazem por um sentimento de revolta com a
bandalheira que virou o
país. São pessoas que provavelmente não votariam
no atual presidente. Mas, ao
anularem os votos, estão fazendo exatamente isso.
Imagine que o eleitorado
consiste de cem votantes e
que 41 pretendem votar no
candidato A, 24, no B, 10, no
C e 5, no D. Vinte pretendem anular/votar em branco/ficar em casa. Resultado: com 41 de 80 votos válidos, o candidato A se elege
em primeiro turno. Se os 20
descontentes espalhassem
seus votos entre os outros
candidatos, teríamos segundo turno.
Aí o nulo diz: "Mas eu
também não quero votar no
B nem no C nem no D. Nenhum deles me representa". OK. Mas cabem três
ponderações. Primeira: não
existe o candidato perfeito.
Eleição não é exercício de
criação do candidato ideal,
mas de escolha do menos
pior dentre os postulantes.
Quando uma pessoa politizada a ponto de querer usar
o voto como arma de protesto o joga fora, o que ela
está fazendo é reforçar o
peso dos outros eleitores.
Delega-se a escolha para
pessoas que talvez se importem menos.
Segunda: em uma eleição
de dois turnos, não anular o
voto significa comprar tempo. Vai que o seu anticandidato acaba indo para o segundo turno e nesse tempo
você se convence da habilidade do sujeito? Apesar da
absoluta modorra que tem
sido essa campanha, mais
tempo para discutir propostas e projetos é sempre
positivo. E, finalmente, eleger um candidato em primeiro turno significa fortalecê-lo sobremaneira.
Aquele que quer anular seu
voto por protesto ao sistema vai acabar reforçando os
mandarins do sistema que
rejeita. Não faz sentido.
GUSTAVO IOSCHPE é mestre em
desenvolvimento econômico pela
Universidade Yale (EUA)
Texto Anterior: Propaganda de Alckmin que faz crítica a Lula é proibida pelo TSE Próximo Texto: Eleições 2006/Presidência: Ex-governador de Goiás muda versão sobre relato de mensalão a presidente Índice
|