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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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CIDADÃ REVISTA

Idéia é que próximos parlamentares revisem a Constituição

FHC defende novo "pacto constitucional" em 2007

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB), 72, defende um novo "pacto constitucional" a partir de 2007. Na prática, seria uma miniconstituinte, com os deputados e senadores eleitos em 2006 tendo poderes mais amplos para revisar o texto constitucional.
O tucano, que presidiu o Brasil de 1995 a 2002, não acredita ser necessário eliminar a necessidade de quórum qualificado (dois terços dos votos na Câmara e no Senado). "O procedimento é que não pode ser como ele é. O regimento é muito ruim, com verificação de quórum artigo por artigo. É uma loucura. Faz com que o Executivo fique refém da negociação parlamentar", disse FHC à Folha, por telefone, no final da tarde da última sexta-feira -o ex-presidente passa apenas o fim de semana no país e retorna em seguida para o exterior.
"Acho razoável fazer com que os eleitos em 2006 possam fazer esse trabalho a partir de 2007. Você tem de dar um mandato para isso. Mas eu acho que tem de ser com uma área específica. É para resolver as grandes questões", afirma o tucano.
FHC incluiria nessa minirrevisão as áreas tributária e previdenciária, além daquilo que ele considera ser o mais importante, que é "definir o que cabe à União, aos Estados e aos municípios".
Ele também disse que considera necessária uma redefinição da área de segurança: "Eu tive de enfrentar a inflação. Enfrentei. Agora, não tem mais jeito: tem de enfrentar a questão da segurança, o medo que existe nas cidades brasileiras".
Apesar de achar que esse é o melhor caminho, o ex-presidente diz ser difícil vingar a proposta -que seria por meio de uma emenda constitucional.
"Na época da Constituinte, eu falava em entulho autoritário. Agora, as pessoas não vêem relação direta entre a reforma da Constituição e as suas vidas. Mas há. Vai levar algum tempo."
A seguir, trechos do depoimento do ex-presidente à Folha sobre os 15 anos da Constituição:
 

CENÁRIO DE 1988 - Não foi fácil convocar a Constituinte. Houve muita resistência. Havia a idéia de fazer a Constituição a partir de um documento de base. Isso era totalmente inviável, porque o clima era o de maio de 1968 na França: é proibido proibir. Todo mundo queria opinar.
Deu um trabalho enorme. Até que tivesse uma cara mais aceitável, custou muito. Mas eu acho que a Constituinte foi um momento de catarse nacional. Era uma espécie de grande sonho nacional, mas que resultou numa outra coisa.
A parte da visão econômica e da visão do Estado veio antes da queda do Muro de Berlim. Era uma visão de um Estado mais intervencionista e, pior do que isso, muito corporativista.
Foi um texto muito detalhista e eu tentei salvar com uma emenda minha na época, que nunca foi levada a sério. Inspirado na Constituinte de 23, eu dividia a Constituição em três pedaços. Um com as cláusulas pétreas. Um para modificar com maioria qualificada. E outro que pudesse ser mudado com maioria mais um. Já era visível que teria que mexer.

REVISÃO DE 1993 - Só eu, o Luís Eduardo Magalhães [na época, deputado federal pelo PFL-BA], o [Nelson] Jobim [na época, deputado pelo PMDB-RS] e alguns poucos queríamos fazer a revisão de 1993. Havia muita resistência. Alguns, porque achavam que iriam ganhar a eleição e depois mudariam tudo -o pessoal do PT, na época.
O lado positivo da Constituição é o que o Ulysses [Guimarães] chamou de "Constituição cidadã". Garantiu-se direito como nunca. Hoje, vários órgãos podem questionar a constitucionalidade de uma lei. Antes, isso não era possível. É uma Constituição democrática. Não houve nenhuma modificação proposta nesse lado bom do texto constitucional. Esse lado de garantias é bom. O lado ruim é o do corporativismo.
Nós perdemos a chance da revisão constitucional. Vamos continuar assim até que haja uma crise. Tomara que não haja. Porque não há como fazer um plebiscito, uma mudança. Nós fizemos uma loucura: o sistema tributário brasileiro é constitucional.

PACTO CONSTITUCIONAL - Se houvesse um momento de lucidez no Brasil, se as pessoas colocassem os interesses institucionais acima dos outros, eu acho que valeria a pena fazer uma reflexão constitucional sobre algumas matérias definidas. De outra forma, o governo esgota suas energias só para fazer emendas constitucionais.
Não sei se pode chamar-se miniconstituinte. No fundo, é um pacto constitucional. Pode até manter o quórum qualificado [60% dos votos], mas o procedimento é que não pode ser como ele é. O regimento é muito ruim, com verificação de quórum artigo por artigo. É uma loucura. Faz com que o Executivo fique refém da negociação parlamentar.
Acho razoável fazer com que os eleitos em 2006 possam fazer esse trabalho a partir de 2007. Você tem de dar um mandato para isso. Mas eu acho que tem de ser com uma área específica. É para resolver as grandes questões. Uma certamente é a tributária. A previdenciária vai continuar. E o mais importante é definir o que cabe à União, aos Estados e aos municípios. Tanto com relação a dinheiro, mas sobretudo com relação às obrigações.

SEGURANÇA - Acho que também seria a oportunidade para enfrentar outra grande questão que está fragmentada no Brasil, que é a segurança. Eu tive de enfrentar a inflação, enfrentei. Agora, não tem mais jeito: tem de enfrentar a questão da segurança. O medo que existe nas cidades brasileiras.
Como é tudo recortado, com várias polícias, vários Estados, o que é da União, o que é do Estado, o que é do município? Desse jeito, não resolve. O melhor é tirar isso da Constituição, porque a Constituição define as áreas, o que é privativo de cada polícia.
Não acho que exista clima no país para fazer tudo isso. Nós estamos governando com emendas. Tem um problema aqui? Então vamos colocar um esparadrapo.
Antes, o problema recorrente era a governabilidade. Hoje ninguém mais fala disso. Hoje é uma questão de rearranjo institucional. É muito difícil fazer isso agora. Na época da Constituinte, eu falava em entulho autoritário. Agora, as pessoas não vêem relação direta entre a reforma da Constituição e as suas vidas. Mas há. Vai levar algum tempo.


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