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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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NO PLANALTO

Governo do ex-PT repete vício que PT condenou

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nasceu em 1974. O nome oficial é Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social. Quem a vê de fora chama pela sigla: Dataprev. Quem a conhece por dentro prefere o apelido: "casa-da-mãe-joana".
É o braço tecnológico do Ministério da Previdência. Administra computadores instalados no Rio e em São Paulo. Rodam todo o sistema de arrecadação e pagamentos previdenciários.
Só os benefícios à clientela da Previdência geram 21 milhões de lançamentos mensais (aposentadorias, pensões e auxílios). Somam R$ 107 bilhões por ano. Dinheiro maculado por fraudes que põem em xeque a "inteligência" das máquinas.
A ruína da Dataprev não foi improvisada. É fruto de reflexão de três décadas. Deve-se à Secretaria Federal de Controle (hoje Controladoria Geral da União) a auditagem da encrenca. O quadro veio à luz em 1999. Foi confirmado pelo TCU em 2002. Possui cores berrantes:
1) a Dataprev tornou-se escrava tecnológica de um único fabricante de computadores. Aluga, desde sempre, equipamentos da multinacional Unisys;
2) as máquinas funcionam num ambiente de "plataforma fechada". Em português claro: o sistema Unisys não roda softwares de outras marcas;
3) os contratos que acorrentaram a Dataprev à Unisys foram firmados sem licitação;
4) nos últimos quatro anos, a Dataprev repassou ao fornecedor cativo cerca de R$ 180 milhões. Detectaram-se "graves indícios" de sobrepreço;
5) há diferentes contabilizações dos desembolsos irregulares. A conta mais otimista aponta o descaminho de R$ 60 milhões. A mais pessimista soma cerca de R$ 100 milhões;
6) graças às suspeitas, o tema foi aos tribunais. Um dos processos nasceu de representação de parlamentares petistas. A Unisys defende-se nos autos. Nega os malfeitos.
Ao assumir a Previdência, Ricardo Berzoini recebeu do grupo de transição do PT um inventário dos problemas do setor. A Dataprev foi guindada à condição de prioridade.
O TCU indicara o caminho em 2002. Impunha-se: (a) o rompimento com a Unisys, (b) a abertura de licitação e (c) a migração para um "sistema aberto", compatível com outros bancos de dados públicos.
Havia uma data mágica para o início da reformulação: 30 de junho de 2003. Nesse dia, sabia-se desde 1999, expiravam os contratos com a Unisys. Oportunidade única. Governos, porém, não costumam perder a oportunidade de perder uma boa oportunidade.
Ao chegar, o fatídico 30 de junho encontrou um imprevidente Ministério da Previdência ainda dividido quanto à solução a adotar. A corporação da Dataprev defendia a recontratação da Unisys.
Decidido a evitar o impensável, Berzoini optou pelo desaconselhável: contratou, por seis meses, a empresa Cobra, subsidiária tecnológica do Banco do Brasil. Deu-se em 15 de agosto. Nem sinal de licitação. Alegaram-se "necessidades emergenciais". Uma "emergência" prevista desde 1999.
"Não podíamos fazer a licitação antes de ter clareza sobre a estratégia de migração para um sistema seguro", diz Berzoini. "A pressa é inimiga da perfeição." Na reforma da legislação previdenciária adotou-se tática diversa. Fez-se em oito meses, a toque de caixa, o que FHC não fizera em oito anos.
A primeira providência da Cobra foi a aquisição de um novo computador para a Dataprev. O nome do fornecedor? Unisys. "Antes de migrar para plataforma mais segura, é preciso aumentar a capacidade do sistema atual, com taxas de utilização superiores a 90%", alega Berzoini.
Só em 25 de setembro o ministro constituiu um grupo de trabalho para preparar a ansiada licitação. Não se está falando da aquisição de maquinário novo. Tampouco se está tratando da migração da plataforma fechada para o sistema aberto. Busca-se, por ora, apenas a contratação de empresa capaz de manter o velho parque tecnológico da Previdência em movimento.
O contrato com a Cobra sorverá dos cofres da Previdência R$ 19,3 milhões. "Estamos economizando dinheiro", festeja Berzoini. De fato, os antigos acertos com a Unisys previam desembolsos mensais de R$ 4,3 milhões, contra R$ 3,2 milhões a serem pagos à Cobra.
O diabo é que, manuseando os contratos firmados com a Unisys, o repórter constatou que, vencido o prazo de 30 de junho, o custo do aluguel das máquinas da Dataprev cairia a zero. Restariam despesas com manutenção e aluguel de softwares. A própria Unisys orçou a continuidade de seus serviços em R$ 2,8 milhões mensais.
Sob FHC, o PT classificava como vício a dispensa de licitação na Dataprev. Agora, o ex-PT rebatiza o fenômeno. Chama-o de prudência. O contrato com a Cobra contém cláusula prevendo a prorrogação por mais um ano. "Espero que não seja necessário prorrogar", diz Berzoini. A torcida do Corinthians também espera.


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