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ANÁLISE
Senado versus Supremo
JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Semana passada o Supremo
Tribunal Federal julgou que o
senador Expedito Júnior, do
PSDB de Rondônia, cometeu o
crime de abuso de poder econômico e compra de votos e
que portanto, pela Constituição, deveria ter seu mandato
eleitoral cassado. Determinou
então ao Senado que o afastasse e desse posse imediata ao segundo colocado nas eleições,
Acir Marcos Gurgacz, do PDT
de Rondônia.
O Senado reagiu. Não deu
posse imediata. Disse que, antes, ele próprio vai analisar a
decisão do Supremo, através
de sua Comissão de Constituição e Justiça. Só então cumprirá, ou não, a decisão do Supremo Tribunal Federal.
O argumento a favor desta
posição é que a Constituição
diz que o Congresso é um Poder independente diante dos
outros Poderes. Haveria, pois,
limites para interferência do
Supremo. O argumento contrário é que quem julga os cidadãos, senadores ou não, é o Supremo. Não se pode ter cidadãos de duas categorias.
Se o
Congresso não obedece ou impõe condições, está usurpando
a independência do Supremo e
discriminando cidadãos.
Para entender o que este
problema representa, temos
que analisar o que verdadeiramente está por detrás. Ao contrário do que parece, o importante no caso não é o destino
do senador Expedito Júnior.
Este entra quase como Pilatos
no credo. A reação do Senado é
como se fosse um pretexto
conjuntural, para um problema institucional. O problema
é: como deve ser a convivência
entre os Poderes da República? Que convivência é essa?
A Constituição determina
que os Poderes da República
são independentes e harmônicos entre si. O que parece natural, mas não é. Não foi no Império, não foi na ditadura de
Vargas nem foi no autoritarismo dos anos setenta. Mas será
que a atual situação a que assistimos é de harmonia ou de
concorrência entre Poderes? A
atitude do Senado, de não
cumprir ou pelo menos de
adiar o cumprimento da ordem do Supremo, fere então a
Constituição?
Mas afinal o que eles estão
disputando de tão importante?
Não é difícil perceber. Estão
disputando quem, pela Constituição, detém a última palavra
sobre os destinos do país. Se
um ou outro. E, paradoxalmente, ambos são independentes.
Desde já, mesmo que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado venha a concordar com a decisão do Supremo,
o que provavelmente fará, duas
consequências já são constatáveis.
Primeiro, o Senado está
sendo claro: só obedecerá ao
Supremo, depois que sua comissão disser se deve obedecer
ou não. O senador Demóstenes
Torres, presidente da Comissão de Constituição e Justiça,
disse que antes vai responder a
consulta da Mesa do Senado.
Ou seja, está colocando uma
condição para obedecer ao Supremo. A última palavra será
portanto sua.
Segundo, o Supremo mandou que ocorresse a cassação
imediata. Não ocorreu. O que é
imediato para o Supremo não é
imediato para o Senado. Ou seja, o Senado está dizendo que
ele detém o poder para determinar o que é imediato em
suas questões internas, como a
do senador Expedito. Imediato
não é instantâneo.
De fato, a Constituição não
descreve a realidade da vida
brasileira. A Constituição apenas pretende regular o futuro
da vida dos brasileiros e de
suas instituições. A Constituição não é uma descrição do
Brasil. A Constituição é uma
prescrição, um sonho de Brasil. Que, como todo sonho, pode ou não se concretizar em
realidade. Às vezes, o sonho da
harmonia é diferente da realidade da disputa onde cada um
quer preservar sua independência.
Na verdade existem duas
maneiras de ver esta situação.
Há, por um lado, quem veja a
relutância do Senado como a
defesa de sua independência a
uma excessiva interferência do
Supremo nas suas questões internas. Há, por outro lado, os
que apenas acham que tudo faz
parte de uma harmonia competitiva entre os Poderes. Faz
parte da democracia.
JOAQUIM FALCÃO é professor de direito constitucional da FGV Direito-Rio
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