São Paulo, quinta-feira, 05 de novembro de 2009

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ANÁLISE

Senado versus Supremo

JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Semana passada o Supremo Tribunal Federal julgou que o senador Expedito Júnior, do PSDB de Rondônia, cometeu o crime de abuso de poder econômico e compra de votos e que portanto, pela Constituição, deveria ter seu mandato eleitoral cassado. Determinou então ao Senado que o afastasse e desse posse imediata ao segundo colocado nas eleições, Acir Marcos Gurgacz, do PDT de Rondônia.
O Senado reagiu. Não deu posse imediata. Disse que, antes, ele próprio vai analisar a decisão do Supremo, através de sua Comissão de Constituição e Justiça. Só então cumprirá, ou não, a decisão do Supremo Tribunal Federal. O argumento a favor desta posição é que a Constituição diz que o Congresso é um Poder independente diante dos outros Poderes. Haveria, pois, limites para interferência do Supremo. O argumento contrário é que quem julga os cidadãos, senadores ou não, é o Supremo. Não se pode ter cidadãos de duas categorias.
Se o Congresso não obedece ou impõe condições, está usurpando a independência do Supremo e discriminando cidadãos. Para entender o que este problema representa, temos que analisar o que verdadeiramente está por detrás. Ao contrário do que parece, o importante no caso não é o destino do senador Expedito Júnior.
Este entra quase como Pilatos no credo. A reação do Senado é como se fosse um pretexto conjuntural, para um problema institucional. O problema é: como deve ser a convivência entre os Poderes da República? Que convivência é essa?
A Constituição determina que os Poderes da República são independentes e harmônicos entre si. O que parece natural, mas não é. Não foi no Império, não foi na ditadura de Vargas nem foi no autoritarismo dos anos setenta. Mas será que a atual situação a que assistimos é de harmonia ou de concorrência entre Poderes? A atitude do Senado, de não cumprir ou pelo menos de adiar o cumprimento da ordem do Supremo, fere então a Constituição?
Mas afinal o que eles estão disputando de tão importante? Não é difícil perceber. Estão disputando quem, pela Constituição, detém a última palavra sobre os destinos do país. Se um ou outro. E, paradoxalmente, ambos são independentes.
Desde já, mesmo que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado venha a concordar com a decisão do Supremo, o que provavelmente fará, duas consequências já são constatáveis.
Primeiro, o Senado está sendo claro: só obedecerá ao Supremo, depois que sua comissão disser se deve obedecer ou não. O senador Demóstenes Torres, presidente da Comissão de Constituição e Justiça, disse que antes vai responder a consulta da Mesa do Senado. Ou seja, está colocando uma condição para obedecer ao Supremo. A última palavra será portanto sua.
Segundo, o Supremo mandou que ocorresse a cassação imediata. Não ocorreu. O que é imediato para o Supremo não é imediato para o Senado. Ou seja, o Senado está dizendo que ele detém o poder para determinar o que é imediato em suas questões internas, como a do senador Expedito. Imediato não é instantâneo.
De fato, a Constituição não descreve a realidade da vida brasileira. A Constituição apenas pretende regular o futuro da vida dos brasileiros e de suas instituições. A Constituição não é uma descrição do Brasil. A Constituição é uma prescrição, um sonho de Brasil. Que, como todo sonho, pode ou não se concretizar em realidade. Às vezes, o sonho da harmonia é diferente da realidade da disputa onde cada um quer preservar sua independência.
Na verdade existem duas maneiras de ver esta situação. Há, por um lado, quem veja a relutância do Senado como a defesa de sua independência a uma excessiva interferência do Supremo nas suas questões internas. Há, por outro lado, os que apenas acham que tudo faz parte de uma harmonia competitiva entre os Poderes. Faz parte da democracia.

JOAQUIM FALCÃO é professor de direito constitucional da FGV Direito-Rio



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