São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2000


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QUESTÃO AGRÁRIA
Julgamento durou 31 horas; defesa e acusação mantiveram tom político em sua argumentação
Tribunal absolve Rainha por 4 votos a 3


FERNANDA DA ESCÓSSIA
LUÍS ANTÔNIO RYFF
enviados especiais a Vitória (ES)

Depois de 31 horas de julgamento, o líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) José Rainha Júnior, 39, foi absolvido ontem em Vitória da acusação de co-autoria em dois homicídios.
Rainha foi absolvido pelos jurados por 4 votos a 3, o mesmo placar do primeiro julgamento, em 1997, quando foi condenado a 26 anos e seis meses de prisão.
O Ministério Público vai recorrer da decisão, alegando nulidade do julgamento por causa da interrupção da última fala da defesa. Um homem entrou no plenário chamando Rainha de "assassino", pedindo sua condenação e dizendo que libertá-lo era legitimar a invasão de terras no país.
O homem, identificado como Antônio Carlos Gomes, era irmão de um dos assistentes de acusação, Marco Antônio Gomes, e foi detido pela Polícia Militar. Ele não comentou o episódio.
"Isso influenciou os jurados. O assistente de acusação tem parte da responsabilidade por essa condenação", disse, chorando, a promotora Ivanilce da Cruz Romão.
Rainha respondeu pelas mortes do fazendeiro José Machado Neto e do soldado PM Sérgio Narciso da Silva, em 5 de junho de 1989, em Pedro Canário, no norte capixaba, durante uma invasão dos sem-terra à fazenda Ypuera, propriedade de Machado.
Na sentença final, anunciada às 17h20 de ontem, o juiz Ronaldo Gonçalves de Sousa informou que os jurados responderam "não" ao terceiro quesito, quando foram questionados sobre a co-autoria de Rainha nas mortes.
Duas filhas do fazendeiro morto que assistiam ao julgamento saíram sem comentar o resultado. Cerca de 4.000 sem-terra que assistiam ao resultado do lado de fora do fórum soltaram fogos em comemoração.

Hitler e Mandela
Durante todo o julgamento, o tom político do caso foi salientado tanto pela defesa como pela acusação, com menções à atuação de Rainha como líder do MST.
O assistente de acusação Jucilande Borges disse que o réu era "um Hitler brasileiro", porque incitava ao crime.
"Hitler também nunca matou ninguém, mas mandou matar. Rainha é o Hitler brasileiro, ele coloca em risco a tranquilidade nacional. A absolvição desse homem é um perigo para o nosso país", disse o assistente.
O outro assistente de acusação, Marco Antônio Gomes, disse que, caso Rainha fosse condenado, receberia certamente um indulto do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, por causa das pressões internacionais.
"Por onde ele (Rainha) anda, há um rastro de sangue deixado pela camarilha do MST. Eles usam táticas de guerrilha. O Sindicato dos Proprietários Rurais também tem de fazer uma marcha até Brasília."
A promotora Ivanilce da Cruz Romão disse que ser dono de terras não era crime. "Por que não podemos ter terra?", perguntou ela. Depois, acusou Rainha de se aproveitar dos integrantes do MST: "Explorar o sonho alheio também deveria ser crime".
O coordenador da defesa, Evandro Lins e Silva, comparou seu cliente ao ex-presidente sul-africano Nelson Mandela. "Grandes líderes também foram presos e perseguidos. Muitos heróis saíram da cadeia para as estátuas", ressaltou.
"O júri não vai julgar malfeitores. Aqueles que se levantam contra uma ordem social injusta não são malfeitores. Aqui não há Fernandinho Beira-Mar", disse Lins e Silva, na que deve ser sua última atuação no tribunal do júri.

Testemunhas
Durante as cinco horas de debates, acusação e defesa ressaltaram para os jurados depoimentos que atestavam a sobre a presença de Rainha no local do crime e no Ceará, respectivamente.
A principal testemunha da acusação, José Jorge Guimarães, o Zé do Coco, reconheceu Rainha em plenário, mas teve seu depoimento prejudicado pelas diferentes descrições que fez do réu.
O juiz aposentado Oly Eduardo de Oliveira negou a acusação feita anteontem por Guimarães de que ele havia mudado seu primeiro depoimento com uma descrição errada de Rainha.
"Nunca mudei depoimento de ninguém. Se está escrito, é o que ele disse. Se ele disse que eu mudei o depoimento dele, ele mentiu", afirmou Oliveira, que declarou ter sabido do depoimento de Guimarães pelos jornais.
Em 1990, diante de Oliveira -então juiz do município de Montanha, no norte capixaba-, Guimarães descreveu Rainha como um homem "mais ou menos gordo, de rosto bem cheio, sem barba e sem bigode, de cabelos cacheados".
Ele teria transportado essa pessoa de caminhão, na noite de 3 para 4 de junho, até a fazenda onde ocorreram os crimes. Anteontem, disse que jamais fez essa descrição. Em 1997, Guimarães alterou a descrição em cartório.
Além dele, a promotoria listou depoimentos de outros agricultores ouvidos no processo que teriam ouvido dizer da presença de Rainha na fazenda invadida.
Duas testemunhas da defesa, os vereadores por Fortaleza Narcílio Andrade e Átila Bezerra, disseram ter visto Rainha no Ceará no dia do crime. Nos autos também constam declarações de pelo menos mais sete pessoas que dizem ter visto Rainha no Estado no dia das mortes.


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