|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
Um grande voto no julgamento do ProUni
O ministro Carlos Ayres
Britto defendeu o programa com uma exaltação da igualdade social
|
BENDITA A HORA em que o DEM
(ex-PFL) e a Confederação
Nacional dos Estabelecimentos de Ensino resolveram bater às
portas do Supremo Tribunal Federal, sustentando a inconstitucionalidade dos atos que criaram o ProUni.
Levaram para a Corte a discussão da
legalidade de ações afirmativas baseadas em critérios de renda e de raça para o acesso ao ensino superior.
Na semana passada, tomaram a primeira pancada, pelo voto do ministro-relator Carlos Ayres Britto.
O ProUni troca por bolsas de estudo as imunidades tributárias dadas
às universidades particulares. Coisa
como 10% das vagas disponíveis. O
programa já atendeu 310 mil jovens
oriundos da rede pública e neste ano
formará a sua primeira turma, com
60 mil bolsistas. Há 100 mil estudantes pré-selecionados para a próxima rodada de matrículas. Para receber uma bolsa integral, a renda
per capita familiar do candidato não
pode ser superior a 1,5 salário mínimo. Por exemplo, um casal com dois
filhos não pode ganhar mais de R$
1.648. As vagas do ProUni também
devem ser preenchidas favorecendo
o acesso de candidatos afro-descendentes (quem não gosta da expressão pode chamá-los de "descendentes de escravos"). A concessão de
bolsas deve acompanhar os percentuais de diversidade de cada Estado,
conforme o censo do IBGE. Há um
regime de bolsas parciais, que segue
critérios semelhantes.
Segundo a Confenen e o DEM, esses critérios são inconstitucionais
porque violam o princípio da igualdade entre os cidadãos. (Eles faziam
outras restrições, também rejeitadas
pelo relator.)
Britto julgou improcedente o pedido, argumentando em cima do nervo
da questão: o que é a igualdade numa
situação de desigualdade? Nas suas
palavras: "Não há outro modo de
concretizar o valor constitucional da
igualdade senão pelo decidido combate aos fatores reais de desigualdade. (...) É como dizer: a lei existe para,
diante dessa ou daquela desigualação que se revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor outra desigualação
compensatória".
Em vez de tentar derrubar quem
está em cima, empurra-se quem
está em baixo. Tome-se o caso de
dois jovens reprovados nos rigorosos vestibulares das universidades públicas, gratuitas. Um, de
família mais abonada, vai para
uma faculdade particular, paga. O
outro iria à lona, mas, com o
ProUni, vai à aula.
Britto buscou uma parte de sua
argumentação na Oração aos Moços, de Rui Barbosa: "A regra da
igualdade não consiste senão em
quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. (...) Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com
igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".
O voto de Britto trata só do Pro-Uni. Sua linha de raciocínio abre
um guarda-chuva conceitual que
antevê próximos julgamentos,
quando o STF será chamado a decidir sobre a constitucionalidade
do regime de cotas em inúmeras
universidades públicas. Terminada a leitura, na quarta-feira, o
processo do ProUni foi suspenso
por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa e recomeçará em poucas semanas. Se o DEM
e a Confenen não tivessem cutucado as togas com vara curta, essa
bonita discussão não teria sido
aberta.
O PETRÓLEO É NOSSO, E A ESSO, TAMBÉM
O banco JP Morgan está negociando
a sintonia fina do contrato de venda da
Esso Brasileira à Petrobras. Coisa de
mais de US$ 1 bilhão.
Se fecharem negócio, 1.500 postos
de gasolina, equivalentes a 5% do mercado, mudarão de dono. A Petrobras
passará a controlar 40% do setor de
distribuição de combustíveis e, em algumas áreas do Nordeste, dominará
85% do mercado.
Em termos práticos, é a Esso quem
quer ir embora do mercado de distribuição brasileiro e a Exxon (novo nome da velha Standard Oil) é parceira da Petrobras na bacia de Campos. Em termos simbólicos, a compra da Esso será
uma vitória do Santo Guerreiro do "Petróleo é Nosso" sobre o Dragão da Maldade dos trustes internacionais.
No século passado, a distribuidora
da Standard Oil encarnava o demônio
imperialista e seu fundador, John D.
Rockefeller, um Belzebu desalmado
voraz e avarento.
A sede da Esso, no Rio, ficava em
frente à embaixada americana. No dia
1º de abril de 1964, quando a insurreição contra o presidente João Goulart
temia ficar sem combustível caso houvesse resistência, a Esso garantiu os interesses do governo americano. Ela tinha um petroleiro a caminho da Argentina e, se fosse necessário, ele seria
desviado, aportando em Santos no dia
6. Não foi preciso.
O predomínio das grandes empresas
de petróleo estrangeiras na distribuição de combustíveis no Brasil começou
a ser quebrado no início dos anos 70. O
presidente da Petrobras, general Ernesto Geisel, tomou, na marra, a concessão dos postos da Shell no Aterro do Flamengo. Seu argumento: "Encher
taque de gasolina, nós sabemos".
BOLSA DITADURA
Para o banco de dados do Planalto: em 1952, a Alemanha negociou
um acordo com o governo de Israel
e se comprometeu a pagar 3 bilhões
de marcos (US$ 5,8 bilhões em dinheiro de hoje) como reparação pelo que o nazismo fez aos judeus.
O Bolsa Ditadura já custou à Viúva US$ 1,5 bilhão.
FALTA O CARTAZ
Um observador da banca de Nova York acredita que, a despeito de
todas as indicações, a economia
americana ainda não entrou em recessão. Segundo ele, isso só acontece quando a lanchonete "Gray's Papaya" (rua 72 com Broadway)
anuncia o seu "Recession Special",
com um cartaz na calçada. São dois
cachorros-quentes e um refresco
por US$ 3,50.
O cartaz, que em 1988 prenunciou a eleição de Bill Clinton, ainda
não está na rua. Em compensação,
há um pôster de Barack Obama
atrás do balcão.
EMERGENTES
Na quinta-feira, Lula visitou a
plataforma P-53 da Petrobras e
saiu para um abraço com a galera. O
fotógrafo Beto Barata registrou a
cena. Num grupo de 14 operários,
nove empunhavam celulares com
câmera.
MADAME NATASHA
Madame Natasha está convencida de que os empreiteiros de obras
públicas pensam que o idioma existe para fazer os outros de bobos.
Outro dia, a Andrade Gutierrez e a
Carioca Engenharia informaram o
seguinte, a respeito de uma via elevada que construíam: "Ocorreu
desnivelamento gradual de parte
da sua estrutura, que pendeu sobre
uma das pistas do viaduto Grande
São Paulo, na zona central da cidade". Queriam dizer o seguinte: no
meio da noite, um módulo de 64
metros e 800 toneladas caiu sobre
uma pista que estava aberta ao
trânsito, obstruindo-a por 19 horas.
Texto Anterior: Caso UNB: PF pressiona estudantes a deixarem prédio Próximo Texto: Ciro Gomes será sabatinado pela Folha no próximo dia 22 em SP Índice
|