São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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ELIO GASPARI

Um grande voto no julgamento do ProUni


O ministro Carlos Ayres Britto defendeu o programa com uma exaltação da igualdade social

BENDITA A HORA em que o DEM (ex-PFL) e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino resolveram bater às portas do Supremo Tribunal Federal, sustentando a inconstitucionalidade dos atos que criaram o ProUni. Levaram para a Corte a discussão da legalidade de ações afirmativas baseadas em critérios de renda e de raça para o acesso ao ensino superior. Na semana passada, tomaram a primeira pancada, pelo voto do ministro-relator Carlos Ayres Britto.
O ProUni troca por bolsas de estudo as imunidades tributárias dadas às universidades particulares. Coisa como 10% das vagas disponíveis. O programa já atendeu 310 mil jovens oriundos da rede pública e neste ano formará a sua primeira turma, com 60 mil bolsistas. Há 100 mil estudantes pré-selecionados para a próxima rodada de matrículas. Para receber uma bolsa integral, a renda per capita familiar do candidato não pode ser superior a 1,5 salário mínimo. Por exemplo, um casal com dois filhos não pode ganhar mais de R$ 1.648. As vagas do ProUni também devem ser preenchidas favorecendo o acesso de candidatos afro-descendentes (quem não gosta da expressão pode chamá-los de "descendentes de escravos"). A concessão de bolsas deve acompanhar os percentuais de diversidade de cada Estado, conforme o censo do IBGE. Há um regime de bolsas parciais, que segue critérios semelhantes.
Segundo a Confenen e o DEM, esses critérios são inconstitucionais porque violam o princípio da igualdade entre os cidadãos. (Eles faziam outras restrições, também rejeitadas pelo relator.)
Britto julgou improcedente o pedido, argumentando em cima do nervo da questão: o que é a igualdade numa situação de desigualdade? Nas suas palavras: "Não há outro modo de concretizar o valor constitucional da igualdade senão pelo decidido combate aos fatores reais de desigualdade. (...) É como dizer: a lei existe para, diante dessa ou daquela desigualação que se revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor outra desigualação compensatória".
Em vez de tentar derrubar quem está em cima, empurra-se quem está em baixo. Tome-se o caso de dois jovens reprovados nos rigorosos vestibulares das universidades públicas, gratuitas. Um, de família mais abonada, vai para uma faculdade particular, paga. O outro iria à lona, mas, com o ProUni, vai à aula.
Britto buscou uma parte de sua argumentação na Oração aos Moços, de Rui Barbosa: "A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. (...) Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".
O voto de Britto trata só do Pro-Uni. Sua linha de raciocínio abre um guarda-chuva conceitual que antevê próximos julgamentos, quando o STF será chamado a decidir sobre a constitucionalidade do regime de cotas em inúmeras universidades públicas. Terminada a leitura, na quarta-feira, o processo do ProUni foi suspenso por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa e recomeçará em poucas semanas. Se o DEM e a Confenen não tivessem cutucado as togas com vara curta, essa bonita discussão não teria sido aberta.

O PETRÓLEO É NOSSO, E A ESSO, TAMBÉM

O banco JP Morgan está negociando a sintonia fina do contrato de venda da Esso Brasileira à Petrobras. Coisa de mais de US$ 1 bilhão.
Se fecharem negócio, 1.500 postos de gasolina, equivalentes a 5% do mercado, mudarão de dono. A Petrobras passará a controlar 40% do setor de distribuição de combustíveis e, em algumas áreas do Nordeste, dominará 85% do mercado.
Em termos práticos, é a Esso quem quer ir embora do mercado de distribuição brasileiro e a Exxon (novo nome da velha Standard Oil) é parceira da Petrobras na bacia de Campos. Em termos simbólicos, a compra da Esso será uma vitória do Santo Guerreiro do "Petróleo é Nosso" sobre o Dragão da Maldade dos trustes internacionais.
No século passado, a distribuidora da Standard Oil encarnava o demônio imperialista e seu fundador, John D. Rockefeller, um Belzebu desalmado voraz e avarento.
A sede da Esso, no Rio, ficava em frente à embaixada americana. No dia 1º de abril de 1964, quando a insurreição contra o presidente João Goulart temia ficar sem combustível caso houvesse resistência, a Esso garantiu os interesses do governo americano. Ela tinha um petroleiro a caminho da Argentina e, se fosse necessário, ele seria desviado, aportando em Santos no dia 6. Não foi preciso.
O predomínio das grandes empresas de petróleo estrangeiras na distribuição de combustíveis no Brasil começou a ser quebrado no início dos anos 70. O presidente da Petrobras, general Ernesto Geisel, tomou, na marra, a concessão dos postos da Shell no Aterro do Flamengo. Seu argumento: "Encher taque de gasolina, nós sabemos".

BOLSA DITADURA
Para o banco de dados do Planalto: em 1952, a Alemanha negociou um acordo com o governo de Israel e se comprometeu a pagar 3 bilhões de marcos (US$ 5,8 bilhões em dinheiro de hoje) como reparação pelo que o nazismo fez aos judeus.
O Bolsa Ditadura já custou à Viúva US$ 1,5 bilhão.

FALTA O CARTAZ
Um observador da banca de Nova York acredita que, a despeito de todas as indicações, a economia americana ainda não entrou em recessão. Segundo ele, isso só acontece quando a lanchonete "Gray's Papaya" (rua 72 com Broadway) anuncia o seu "Recession Special", com um cartaz na calçada. São dois cachorros-quentes e um refresco por US$ 3,50.
O cartaz, que em 1988 prenunciou a eleição de Bill Clinton, ainda não está na rua. Em compensação, há um pôster de Barack Obama atrás do balcão.

EMERGENTES
Na quinta-feira, Lula visitou a plataforma P-53 da Petrobras e saiu para um abraço com a galera. O fotógrafo Beto Barata registrou a cena. Num grupo de 14 operários, nove empunhavam celulares com câmera.

MADAME NATASHA
Madame Natasha está convencida de que os empreiteiros de obras públicas pensam que o idioma existe para fazer os outros de bobos. Outro dia, a Andrade Gutierrez e a Carioca Engenharia informaram o seguinte, a respeito de uma via elevada que construíam: "Ocorreu desnivelamento gradual de parte da sua estrutura, que pendeu sobre uma das pistas do viaduto Grande São Paulo, na zona central da cidade". Queriam dizer o seguinte: no meio da noite, um módulo de 64 metros e 800 toneladas caiu sobre uma pista que estava aberta ao trânsito, obstruindo-a por 19 horas.


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