São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2004

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JANIO DE FREITAS

As verbas na eleição

A descomunal intervenção do governo Lula nas eleições municipais, com a repentina e acelerada torrente de bilhões para prefeituras controladas, quase todas, por aliados do Planalto, está sujeita a duas formas de sustação capazes ainda de defender o processo eleitoral de tamanho ataque de imoralidade.
A destinação de verbas, nos últimos dias da semana passada, chegou a exigir que em alguns ministérios o trabalho entrasse pela noite, já que a autorização de recursos ficava proibida por lei a partir de 3 de julho, sexta-feira, e nos três meses anteriores à eleição. Mas a lei exige, também, que o repasse de verbas se dê exclusivamente para "obras em andamento".
O que o governo teve tempo de fazer nos últimos dias, precisando até de edição especial do "Diário Oficial", foram autorizações de liberação de verba.
A liberação para as prefeituras ficou, portanto, para se dar dentro dos 90 dias anteriores à eleição. Abre-se, então, a possibilidade de que procuradores regionais eleitorais tenham meios de sustar o recebimento ou, pelo menos, a utilização do dinheiro, no casos - a grande maioria - em que não se destine a obras já em andamento.
A outra possibilidade contra a intervenção financeira do governo nas eleições, ou pelo menos parte dessa intervenção, está já abordada pelo subprocurador-geral da República e pelo vice-procurador geral eleitoral, Mario Gisi e Roberto Gurgel.
É o recurso ao Tribunal Superior Eleitoral, a ser julgado pelo ministro Sepúlveda Pertence, contra o parecer em que o governo se baseia para autorizar verbas nos casos de obra não iniciada.
Autora do parecer, a Advocacia Geral da União, de má fama no governo anterior, ofereceu ao governo Lula a conclusão de que a lei, ao estabelecer a exigência de "obra em andamento", não está exigindo obra iniciada, propriamente.
Mesmo o que não passa de antecedentes preparatórios já seria obra em andamento.
Sejam quais forem os argumentos jurídicos do recurso contra a AGU, o vernáculo não deixa dúvida: foi sempre muito claro o sentido da expressão "obra em andamento". O que antecede são processos administrativos e projeções técnicas e, eventualmente, estéticas. A obra, no caso de sua citação pela lei, é atividade física que sucede a fase de processos e projeções - se chegar a ser iniciada.
Em discursos recentes de Lula, e mesmo em uma das últimas reuniões ministeriais, encontram-se referências à "ordem de concluirmos as obras que os governos passados iniciaram e deixaram paradas".
É claro, aí, o sentido de obra, sem a inclusão das fases de planejamento e projeto que, em tal estágio, foram deixados aos milhares pelos governos precedentes e Lula não convocaria os seus ministérios a concluí-los.
A interpretação da AGU vai tão longe, que dá a volta em si mesma e entra outra vez na AGU do governo passado. Mas, se começou a fazê-lo na questão dos desaparecidos do Araguaia, não precisava chegar ao comprometimento com tamanha imoralidade eleitoral. Ou melhor, anti-eleitoral.


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