São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2006

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crítica

"Caravana JN" leva circo para dentro da TV

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

Perdemos a Copa, mas a Globo não desistiu. "Quais são os desejos dos brasileiros?", nos pergunta o mesmo Pedro Bial, agora à frente da "Caravana JN". É o nome do ônibus azulão que desde a última segunda-feira começou a percorrer o país na condição de vedete da emissora para a cobertura da campanha eleitoral deste ano.
A escolha do nome talvez venha trair a promessa tão diligente da Globo de isenção jornalística. "Caravana" é uma palavra que no repertório político recente está associada à Caravana da Cidadania, como Lula batizou suas andanças por pequenas localidades do país entre 1993 e 1994. Ato falho ou não, o leitor pode concluir.
A "Caravana JN" evoca ainda, quem sabe com mais pertinência, uma outra também famosa: a Caravana Rolidei, nome do circo mambembe que rodava o país em "Bye Bye Brasil", filme de Cacá Diegues.
Em 1979, a Caravana Rolidei encarnava o esgotamento de uma forma de cultura popular diante da chegada da televisão aos rincões do país. As "espinhas de peixe" -como eram chamadas por artistas desesperados as antenas de TV nos telhados- haviam enclausurado o público dentro de casa.
Mais de 25 anos depois, o que faz a "Caravana JN"? Recria o circo, mas o leva para dentro da TV e das casas. O ônibus da Globo é um simulacro tardio da descoberta do Brasil profundo e do reencontro com os anseios do povo. Há uma espécie de pasteurização da vida popular, uma nova "poética da miséria" disposta a nos revelar as riquezas singelas do brasileiro pobre. Nesse pastiche de circo itinerante há números cívicos, truques de entretenimento, malabarismos retóricos -e não falta nem o bom palhaço.
Na noite de estréia, em São Miguel das Missões (RS), anunciado por William Bonner, que apresentava o "JN" de lá, Pedro Bial demorou poucos segundos para soltar a primeira das suas: "Partindo do Sul temos mais chances de encontrar o norte da nossa missão". Dois dias depois, já em Nova Pádua, também no Rio Grande do Sul, podíamos vê-lo sentado numa sala de aula rodeado de crianças pequenas, atirando bolinha de papel nos coleguinhas. Era a abertura da reportagem sobre a importância da educação.
Índios guaranis próximos da extinção, migrantes japoneses adeptos das artes marciais e números, muitos números. O cidadão da "Caravana JN" fica reduzido à sua representação folclórica, vira personagem típico, e a política, por sua vez, fica desencarnada, como se não tivesse sujeitos e conflitos reais. A naturalização da história é uma das mágicas da Globo. As coisas simplesmente acontecem. Temos a impressão de estar ora diante de um programa de auditório, ora vendo Rolando Boldrin ou um "Globo Rural" qualquer.
Até a chegada da "Caravana JN", a cobertura da Globo centrava-se no compromisso de exibir no telejornal, com tempos cronometrados, todos os candidatos à Presidência -fruto de um acordo entre eles e a emissora que a libera de incluir os nanicos nos seus debates.
Tal opção levou os microcandidatos a fingir diariamente que fazem alguma coisa e o jornal a simular ao eleitor que os leva a sério. Temos visto cenas dignas dos melhores momentos de Primo Carbonari. Não deixa de ser uma ironia para um jornalismo que há anos vem perseguindo o objetivo de recontar a sua história à luz daquilo que, hoje, gostaria de ter sido. Tudo, afinal, acaba em circo.


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