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crítica
"Caravana JN" leva circo para dentro da TV
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Perdemos a Copa, mas a
Globo não desistiu. "Quais
são os desejos dos brasileiros?", nos pergunta o mesmo
Pedro Bial, agora à frente da
"Caravana JN". É o nome do
ônibus azulão que desde a última segunda-feira começou
a percorrer o país na condição de vedete da emissora
para a cobertura da campanha eleitoral deste ano.
A escolha do nome talvez
venha trair a promessa tão
diligente da Globo de isenção
jornalística. "Caravana" é
uma palavra que no repertório político recente está associada à Caravana da Cidadania, como Lula batizou suas
andanças por pequenas localidades do país entre 1993 e
1994. Ato falho ou não, o leitor pode concluir.
A "Caravana JN" evoca
ainda, quem sabe com mais
pertinência, uma outra também famosa: a Caravana Rolidei, nome do circo mambembe que rodava o país em
"Bye Bye Brasil", filme de
Cacá Diegues.
Em 1979, a Caravana Rolidei encarnava o esgotamento
de uma forma de cultura popular diante da chegada da
televisão aos rincões do país.
As "espinhas de peixe" -como eram chamadas por artistas desesperados as antenas de TV nos telhados- haviam enclausurado o público
dentro de casa.
Mais de 25 anos depois, o
que faz a "Caravana JN"? Recria o circo, mas o leva para
dentro da TV e das casas. O
ônibus da Globo é um simulacro tardio da descoberta do
Brasil profundo e do reencontro com os anseios do povo. Há uma espécie de pasteurização da vida popular,
uma nova "poética da miséria" disposta a nos revelar as
riquezas singelas do brasileiro pobre. Nesse pastiche de
circo itinerante há números
cívicos, truques de entretenimento, malabarismos retóricos -e não falta nem o
bom palhaço.
Na noite de estréia, em São
Miguel das Missões (RS),
anunciado por William Bonner, que apresentava o "JN"
de lá, Pedro Bial demorou
poucos segundos para soltar
a primeira das suas: "Partindo do Sul temos mais chances de encontrar o norte da
nossa missão". Dois dias depois, já em Nova Pádua, também no Rio Grande do Sul,
podíamos vê-lo sentado numa sala de aula rodeado de
crianças pequenas, atirando
bolinha de papel nos coleguinhas. Era a abertura da reportagem sobre a importância da educação.
Índios guaranis próximos
da extinção, migrantes japoneses adeptos das artes marciais e números, muitos números. O cidadão da "Caravana JN" fica reduzido à sua
representação folclórica, vira personagem típico, e a política, por sua vez, fica desencarnada, como se não tivesse
sujeitos e conflitos reais. A
naturalização da história é
uma das mágicas da Globo.
As coisas simplesmente
acontecem. Temos a impressão de estar ora diante de um
programa de auditório, ora
vendo Rolando Boldrin ou
um "Globo Rural" qualquer.
Até a chegada da "Caravana JN", a cobertura da Globo
centrava-se no compromisso
de exibir no telejornal, com
tempos cronometrados, todos os candidatos à Presidência -fruto de um acordo
entre eles e a emissora que a
libera de incluir os nanicos
nos seus debates.
Tal opção levou os microcandidatos a fingir diariamente que fazem alguma
coisa e o jornal a simular ao
eleitor que os leva a sério. Temos visto cenas dignas dos
melhores momentos de Primo Carbonari. Não deixa de
ser uma ironia para um jornalismo que há anos vem
perseguindo o objetivo de recontar a sua história à luz
daquilo que, hoje, gostaria
de ter sido. Tudo, afinal, acaba em circo.
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