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Marcos Nobre
Política travada
AS EXPLICAÇÕES para
o desinteresse pela
campanha eleitoral
variam entre quem diz que
não há diferença essencial
do modelo econômico dos
dois candidatos e quem
afirma que foi a "crise ética" que desinteressou de
vez o eleitorado. Mas o que
é próprio da democracia
brasileira ficou de fora dessas explicações: uma extrema desigualdade. Juntar
democracia, desigualdade e
20 anos sem crescimento
econômico foi a receita
brasileira para travar o sistema político.
O legado da ditadura militar foi um sistema político
em estado falimentar. A luta que se seguiu entre setores organizados da sociedade pela distribuição da riqueza nacional foi selvagem. Sua expressão econômica foi o descontrole inflacionário. Seu resultado
político mais dramático foi
a eleição de Collor.
O Plano Real estabeleceu
um novo patamar na disputa política porque eliminou
a inflação como válvula de
escape da luta pela distribuição da riqueza. Ao mesmo tempo, produziu uma
dívida que engessou Orçamento e investimento público. O Plano Real superou
a selvageria da disputa política dos anos 1980 com um
travamento institucional
duradouro do conjunto do
sistema político. E produziu uma estabilização econômica que nunca se estabiliza definitivamente. Os
dois lados da moeda deixaram clara a natureza do cobertor: curto e desigual.
A novidade do governo
Lula foi a inclusão em alguma medida de setores pobres desorganizados da sociedade nessa disputa travada da política. Ao contrário do que diz o preconceito
de classe descarado dos
analistas "bem informados", não é simplesmente
Bolsa-Família. É também
expressão e representação
política.
Mas o fato é que o sistema político só pode começar a ser destravado com
crescimento econômico. E
a dificuldade aqui é a de um
círculo vicioso: também o
crescimento econômico
depende de algum grau de
destravamento do próprio
sistema político.
Quem confia no mercado
para destravar essa situação quer apenas manter o
travamento. Porque, no
Brasil, ninguém investe
sem que o Estado vá na
frente abrindo caminho.
Mas como fazer isso se a
perda de capacidade de investimento do Estado resulta do travamento do sistema político? Falando então em campanha eleitoral:
onde está o debate sobre a
dívida pública? Onde está o
debate sobre novas estratégias de inserção do Brasil
na economia internacional? Onde estão as propostas de novas políticas industriais?
O Estado precisa recuperar sua capacidade de investimento. Mas precisa
também recuperar sua capacidade de formulação de
políticas para além da
agenda do mercado financeiro. Só que esses temas
cruciais e urgentes continuam ausentes do debate
eleitoral. E não há quem
possa se interessar por uma
campanha em que o essencial já foi decidido. Principalmente quando essa decisão foi a de não tomar decisão alguma.
MARCOS NOBRE é professor de filosofia
política da Unicamp e pesquisador do Cebrap
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