São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2006

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Marcos Nobre

Política travada

AS EXPLICAÇÕES para o desinteresse pela campanha eleitoral variam entre quem diz que não há diferença essencial do modelo econômico dos dois candidatos e quem afirma que foi a "crise ética" que desinteressou de vez o eleitorado. Mas o que é próprio da democracia brasileira ficou de fora dessas explicações: uma extrema desigualdade. Juntar democracia, desigualdade e 20 anos sem crescimento econômico foi a receita brasileira para travar o sistema político.
O legado da ditadura militar foi um sistema político em estado falimentar. A luta que se seguiu entre setores organizados da sociedade pela distribuição da riqueza nacional foi selvagem. Sua expressão econômica foi o descontrole inflacionário. Seu resultado político mais dramático foi a eleição de Collor.
O Plano Real estabeleceu um novo patamar na disputa política porque eliminou a inflação como válvula de escape da luta pela distribuição da riqueza. Ao mesmo tempo, produziu uma dívida que engessou Orçamento e investimento público. O Plano Real superou a selvageria da disputa política dos anos 1980 com um travamento institucional duradouro do conjunto do sistema político. E produziu uma estabilização econômica que nunca se estabiliza definitivamente. Os dois lados da moeda deixaram clara a natureza do cobertor: curto e desigual.
A novidade do governo Lula foi a inclusão em alguma medida de setores pobres desorganizados da sociedade nessa disputa travada da política. Ao contrário do que diz o preconceito de classe descarado dos analistas "bem informados", não é simplesmente Bolsa-Família. É também expressão e representação política.
Mas o fato é que o sistema político só pode começar a ser destravado com crescimento econômico. E a dificuldade aqui é a de um círculo vicioso: também o crescimento econômico depende de algum grau de destravamento do próprio sistema político.
Quem confia no mercado para destravar essa situação quer apenas manter o travamento. Porque, no Brasil, ninguém investe sem que o Estado vá na frente abrindo caminho.
Mas como fazer isso se a perda de capacidade de investimento do Estado resulta do travamento do sistema político? Falando então em campanha eleitoral: onde está o debate sobre a dívida pública? Onde está o debate sobre novas estratégias de inserção do Brasil na economia internacional? Onde estão as propostas de novas políticas industriais?
O Estado precisa recuperar sua capacidade de investimento. Mas precisa também recuperar sua capacidade de formulação de políticas para além da agenda do mercado financeiro. Só que esses temas cruciais e urgentes continuam ausentes do debate eleitoral. E não há quem possa se interessar por uma campanha em que o essencial já foi decidido. Principalmente quando essa decisão foi a de não tomar decisão alguma.


MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap

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