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ELIO GASPARI
Professores negros sumiram da fotografia
A política de ação negativa existe. Ela branqueou
o magistério do Rio de
Janeiro nos anos 20
O PROFESSOR AMERICANO
Jerry Dávila, da Universidade da Carolina do Norte, escreveu um livro que permite uma visita às políticas de ações negativas
que afastaram os negros do andar de
cima do sistema educacional brasileiro. É "Diploma de Brancura: Raça
e Política Social no Brasil, 1917-1945" ("Diploma of Whiteness", publicado em 2003, infelizmente inédito em português). No início do século 20, havia um número razoável
de professores negros na rede de ensino municipal do Rio de Janeiro.
Dez anos depois, sumiram.
Argumenta-se contra as ações
afirmativas com base no critério de
mérito: o negro tem acesso a tudo,
desde que tenha capacidade. Dávila
captou um momento curioso na história da meritocracia pedagógica nacional. Um capítulo do seu livro chama-se "O que aconteceu aos professores de cor?" Ele achou a pergunta
num arquivo excêntrico, o acervo de
15 mil imagens de Augusto Malta,
fotógrafo oficial da prefeitura da cidade. Contratado por Pereira Passos, Malta trabalhou de 1900 a 1936.
Registrava obras, cerimônias e paisagens. Dávila separou cerca de 400
fotografias de escolas, salas de aula e
grupos de professores. Resulta que,
antes de 1920, cerca de 15% dos professores fotografados eram "de cor",
no dialeto da época, afrodescendentes no de hoje. Muitos deles estavam
em escolas vocacionais. Era negro o
diretor da escola municipal que formava professores. Depois de 1939, a
percentagem cai para 2%. Há registros esparsos e superficiais da ocorrência desse mesmo fenômeno em
Campinas e Pelotas, onde algumas
professoras viraram costureiras. (É
possível que o arquivo de Malta
guarde outra surpresa: podem ter
sumido também os jornalistas negros.)
Os mestres negros dos anos 20 foram substituídos por professoras
brancas. Dez anos depois, surgiu o
Instituto de Educação, a gloriosa escola normal do Rio. Era uma instituição modelo, onde as alunas passavam por um duro exame de qualificação intelectual e médico. Havia
até cursinhos preparatórios para
normalistas. Exigia-se um custoso
enxoval, com luvas brancas. Uma filha de ferroviário só conseguiu comprar os uniformes porque sua família cotizou-se. Dávila esclarece: não
há indício de normas destinadas a
excluir deliberadamente os negros,
havia apenas o sonho de fabricar
uma "fina flor" de educadores.
Continuando sua pesquisa nos
acervos fotográficos, Dávila foi ao álbum de formatura das normalistas
de 1942. De 171 professoras diplomadas, só 12 (7%) eram afrodescendentes. Conseguira-se o branqueamento dos diplomas. Foi um processo elitista, racional e bibliograficamente sofisticado. Fernando de
Azevedo, secretário de educação do
Distrito Federal de 1926 a 1930,
acreditava que "sem a criação de elites capazes de guiá-las, a educação
das massas populares resultará num
movimento na direção da pior demagogia".
"As massas", sempre, são os outros. É a velha demofobia. Se não fizerem o que eu digo, a choldra descerá dos morros e destruirá nosso
paraíso tropical. Os negros dirão que
são negros. Professoras brancas
com luvas brancas prometiam um
quadro melhor que o das fotografias
dos professores enfatiotados de Augusto Malta. As normalistas trabalharam duro, mas o estado atual do
sistema escolar nacional indica muitas coisas, uma delas é o fracasso da
política de ações negativas. Tirar o
negro da fotografia não resolve o
problema.
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