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ELIO GASPARI
No segundo turno,
o eleitor virou gado
Os dirigentes políticos nacionais tiveram uma recaída
de coronelismo abusivo. Deveriam se aconselhar com o coronel
Justino (Mauro Mendonça) de
Cabocla. Em quase todas as cidades onde haverá segundo turno,
os maganos anunciam que buscarão o apoio deste ou daquele
candidato derrotado. Fazem isso
como se a coisa funcionasse assim: os coronéis vencidos apóiam
os candidatos vencedores, e a
choldra faz o que seu mestre
mandar.
Um cidadão pode muito bem
ter votado, por convicção, num
candidato derrotado, sabendo
que seria batido. Ele não perdeu a
eleição, como os palmeirenses
perderam para o São Paulo. Há
mais nobreza em perder o primeiro turno de cabeça erguida do
que em ganhar o segundo de nariz tapado.
Os coronéis tratam a política
como se apoios, alianças e negociações fossem modalidades de
cambalacho. Problema deles. Felizmente, a patuléia não é boba.
Para ilustrar a mediocridade
dos personagens que emergiram
com os acordos de gado eleitoral,
vale a pena revisitar uma história
meio velha. A comparação é exagerada, mas a beleza do exemplo
permite a licença.
Em maio de 1940, Winston
Churchill acabara de assumir o
cargo de primeiro-ministro. A
força expedicionária inglesa (250
mil homens) estava encurralada
em Dunquerque. Os alemães
avançavam sobre a França, e o
chefe do Estado-Maior inglês
afirmava: "Este é o fim do Império Britânico". Nesses dias dois
geniais pesquisadores, Charles
Madge e Tom Harrison, trabalhavam no precursor das pesquisas de grupo, um programa chamado Mass Observation, M-O
para os íntimos. No dia 19, antes
da hora em que Churchill falou
pela primeira vez ao seu povo,
eles registraram que se falava em
"vitória alemã". Cinco dias depois, um olheiro do M-O registrou
o comportamento de algumas
mulheres: "Chegaram ao ponto
de declarar que dariam boas-vindas a Hitler. [...] Pelo menos teriam seus maridos de volta". Para quem gosta de pesquisas com
percentagens, no dia 25 de maio o
M-O informou:
Homens (%) e mulheres (%)
Alarmismo 27 e 31
Otimismo 30 e 18
Dúvida ("não sei") 21 e 30
Virginia Woolf escrevia em seu
Diário: "Os alemães parecem jovens, saudáveis, inventivos. Nós
vamos nos arrastando atrás deles". Sua namorada, Vita Sackville-West, e o marido, Harold Nicolson, combinaram matar-se se
a ilha fosse invadida.
Nesse cenário de real valor,
surgiu a possibilidade de um entendimento com Hitler, por intermédio de Mussolini. Era patrocinada por Lord Halifax, um
leal servidor do Estado inglês.
Seria um grande acordo de segundo turno. Na política da
marquetagem, Churchill seria
considerado um maluco que falava em "sangue, suor, lágrimas
e trabalho duro".
Pois o maluco chutou o balde.
Fez isso nas reuniões secretas do
Gabinete, sem que o mundo soubesse o que acontecia. Recusou a
proposta italiana, chamou Halifax para uma conversa no jardim (a respeito da qual nada se
sabe), manteve a Grã-Bretanha
na guerra, tomou um uísque
com soda e foi dormir. Esse homem, nesses dias, salvou a civilização ocidental, amparado apenas na idéia do que achava certo. Sem pesquisas, malandragens, acordos.
Os sucessores do coronel Justino podem ficar dizendo bobagens, mas quem for a uma livraria em busca de "Cinco Dias em
Londres", do historiador John
Lukacs, poderá se livrar deles,
substituindo-os por uma grande
leitura no feriadão do segundo
turno. Se for o caso, vinga-se de
quem pensa que a choldra é
idiota.
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