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São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2003

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REGIME MILITAR

Obra de Elio Gaspari cita declaração na qual o ex-presidente manifesta apoio a mortes durante a repressão

Sarney se diz "frustrado" com fitas de Geisel

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"Foi frustrante." Assim reagiu o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ao saber que o assassinato de adversários do regime militar teve o aval do presidente Ernesto Geisel (1907-1996), segundo revelação do livro "A Ditadura Derrotada", do jornalista Elio Gaspari, colunista da Folha, que chegou ontem às livrarias.
A reação de Sarney, que na época era senador pela Arena, resume o sentimento expressado por outros protagonistas do período, como o ex-senador Jarbas Passarinho, o deputado Delfim Netto (PP-SP) e o presidente nacional do PT, José Genoino (SP), um dos opositores do regime. "Estou perplexo", disse Passarinho.
Personagem do livro, Delfim quer primeiro ler e depois comentar as passagens nas quais aparece como manipulador do índice de inflação ou em situações pouco lisonjeiras, como um comentário de Mario Andreazza (ex-ministro dos Transportes) a Geisel: "Conheço os podres do gordo".
"O livro do Elio é uma coisa séria. O que apareceu até agora na imprensa é pouco. No que se refere a mim, li que ele retrata o conjunto de intrigas armado dentro do staff de Geisel pelo temor que o general tinha de que eu fosse eleito governador de São Paulo", disse Delfim, por e-mail, à Folha.
"Para mim, particularmente, foi frustrante, porque vulnera a imagem que eu tinha do presidente Geisel", disse Sarney. "Tanto mais considerando a respeitabilidade da fonte e a objetividade com que o fato é narrado."
Passarinho diz que Geisel carregava a imagem de ser contra a tortura, desde a origem do regime. Ele foi o encarregado pelo primeiro presidente do ciclo militar, Castello Branco, de investigar denúncias de que presos políticos eram torturados em Pernambuco. Depois demitiu o general Ednardo D'Ávila Melo do comando do Exército em São Paulo, onde presos foram mortos sob tortura.
Ministro do Trabalho do antecessor de Geisel, o general Emílio Garrastazu Médici, cujo governo era mais identificado com a eliminação dos opositores do regime, Passarinho não resiste a uma ironia: "O [José] Genoino foi preso e saiu vivo no governo Médici".
"O que está aí é a documentação do que se sabia na época, do que se sabia oficiosamente", afirmou Genoino. O presidente do PT estava preso em fevereiro de 1974 -época da gravação em que Geisel demonstra admitir a morte de opositores durante a repressão militar- por ter participado da guerrilha do Araguaia, movimento armado desencadeado pelo PC do B no início dos anos 70, na selva amazônica. "É uma questão histórica, e o povo vai tomando conhecimento do passado sem medo, sem idolatria e sem preconceito", afirmou Genoino, que foi solto em abril de 1977.
Aldo Rebelo (PC do B-SP), líder do governo na Câmara, disse que "o episódio é uma mancha na história do Brasil".
O livro é o terceiro da série "As Ilusões Armadas", que trata do ciclo militar (1964-1985) e foca a abordagem nas trajetórias de Geisel, quarto dos cinco presidentes do regime militar, e de Golbery do Couto Silva (1911-1987), idealizador do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações) e uma das principais figuras do regime.
No livro, são utilizados trechos de 222 horas de gravação de conversas de Geisel e assessores feitas entre outubro de 1973 e março de 1974. Elas foram coordenadas pelo secretário particular do general, Heitor Aquino Ferreira.


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