São Paulo, quarta-feira, 07 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Lula deve ouvir Zilda Arns

Se Lula estiver preparando uma reforma ministerial séria, poderia prestar atenção na trombada de seu ministro da Educação, Cristovam Buarque, com Zilda Arns, a coordenadora da Pastoral da Criança.
Trata-se de um caso de inépcia associada à prepotência e à falta de respeito pela opinião alheia. Aos fatos:
Numa entrevista à repórter Soraya Aggege, Zilda Arns reclamou da burocracia do governo, contou que o número de pessoas alfabetizadas pela Pastoral em 2003 caiu de 27 mil para 11 mil. Até aí, tudo bem. A desgraça veio no exemplo: "A cada mês temos que mandar uma pequena redação escrita. Quem é que vai analisar essas 11 mil redações, só da Pastoral, fora as das outras entidades? É uma coisa absolutamente inviável, não é?".
A choldra aprendeu mais uma. O doutor Buarque, que pretende acabar com a universalidade do Provão, destinado a aferir os conhecimentos dos alunos do ensino superior, universalizou o exame dos alfabetizandos. Ele diz que no ano passado o governo de Lula alfabetizou três milhões de pessoas. Se cada uma delas fez três redações, o professor Buarque montou uma máquina que analisou 9 milhões de textos. Para aferir o que? A sua capacidade de mandar aferir.
O ministro da Educação justificou sua posição:
"O que ela chama de burocracia a gente chama de cuidado de fiscalização. Antigamente se falava em números de alfabetizados. Agora a gente fala em nomes no computador. A qualquer entidade, a gente só paga depois que tiver nome a nome. Não podemos deixar que esse programa se transforme num outro Fundo de Amparo ao Trabalhador, que tinha fantasmas inscritos".
Pelo que disse o ministro, Lula pode se orgulhar de presidir um país onde se criou o Cadastro Geral dos Analfabetos. Ainda não se tem o Cadastro dos Bandidos Procurados pela Polícia, mas isso pode ficar para depois.
O rigor cadastrante do professor Buarque inibe a capacidade alfabetizante da doutora Arns, mas Brasília faz milagres com os cérebros humanos. Já houve burocrata que ensinou à patuléia que os pepinos devem ser medidos "no eixo que vai da base de inserção do pedúnculo ao ápice do fruto".
O ministro da Educação foi descortês ao associar, ainda que acrobaticamente, as críticas de Zilda Arns à vulnerabilidade administrativa que gerou o descalabro do FAT. Uma parte do dinheiro mandado para as centrais sindicais, coisa de algumas centenas de milhões de reais, sumia no meio de listas fantasmas de trabalhadores beneficiados. Tentou-se abrir uma CPI para investigar essa maracutaia, mas infelizmente ela morreu pela falta de apetite do governo de FFHH e de interesse da bancada petista.
A Pastoral da Criança não tem nada a ver com o FAT. Quem tem são as centrais sindicais, como a CUT. É a elas que o ministro deve oferecer lições. No seu 20º ano de vida, a Pastoral tem 203 mil voluntários em 3.549 municípios. Ela tem muitas histórias, mas não tem crônica de roubalheiras. Quem quer um dinheirinho fácil não vai para a Pastoral, toma caminhos melhores.
O tipo de argumentação de Cristovam Buarque ofende o professor, deslustra o ministro e maltrata a platéia. Em vez de demonstrar que as redações universais dos alfabetizandos são necessárias para um programa sério (para o Provão, não), Buarque respondeu que a medida se explica pela sua utilidade fiscalizatória. Vai daí, sem as redações, a alfabetização vira um FAT? Nem ele deve acreditar nisso.


Texto Anterior: Assessor de Eunício é ligado a rádios
Próximo Texto: Previdência: SP ignora "PEC paralela" e fixa teto para o Executivo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.