São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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ELIO GASPARI

Estão cozinhando um novo Fome Zero


Num país onde há 35 mil escolas sem luz, prometer computadores para toda a rede pública é demagogia

VINTE DIAS DEPOIS de sua primeira posse, Nosso Guia namorava a idéia de distribuir uniformes escolares para 37 milhões de estudantes da rede pública. O projeto montaria em Brasília uma central de compras e distribuição de roupas para a serra gaúcha e o cerrado goiano. Felizmente foi arquivado.
Com outra roupa, o delírio voltou. Lula diz que "vamos ampliar a renovação do ensino, informatizando todas as escolas públicas". Soa bem, mas é megalomania perdulária a serviço de grandes negócios e do dispositivo de propaganda do comissariado. Num país onde há 35 mil escolas sem luz, prometer computadores para toda a rede é pura demagogia. Para engordar o superávit primário, o governo entesourou R$ 3 bilhões que deveriam servir a esse propósito. Não fez o que devia e agora planeja torrar R$ 9,7 bilhões em cinco anos.
A idéia de comprar computador, seja para uma escola ou uma funerária, sempre dá uma sensação de progresso. Essa crença é falsa. Noves fora que o computador precisa de energia, o professor deve saber usá-lo e a escola precisa conservá-lo. A eficácia dessas máquinas é inversamente proporcional ao tamanho das iniciativas. Os grandes projetos tendem a produzir grandes encomendas e pequenos resultados.
Há mais que simples lorotas na cozinha do Planalto. Os sábios planejam a compra de milhões de computadores e a montagem de uma rede de conexões sem fio com a internet. Numa ponta está o laptop do professor Nicholas Negroponte, do Massachusetts Institute of Technology. É um pequeno computador que pode revolucionar o ensino. Deveria custar US$ 100 por unidade, mas talvez fique por um pouco mais. Permitindo a substituição gradual dos livros didáticos, a máquina se paga em quatro anos. Ela ainda está em fase de testes e o projeto não pode ser apressado pela fome de propaganda dos governos. Sempre que o Estado diz que vai comprar 1 milhão de qualquer coisa, computadores ou pregos, sente-se um cheiro de queimado. O risco aumenta quando se trata de encomendas no mercado de informática, envolvendo um produto novo. As credenciais de Negroponte justificam alguma ousadia, pois seu interesse no projeto é basicamente altruísta.
É na rede de conexões sem fio com a internet que mora o maior perigo. Trata-se de uma tecnologia nova, cuja utilização nos Estados Unidos está na conta e risco da iniciativa privada. O Google quer montar uma rede dessas em San Francisco, mas a cidade de Nova York estuda o assunto com grande cautela. Trata-se de proteger a Bolsa da Viúva contra eventuais avanços tecnológicos que pulverizam iniciativas, projetos e empresas. Ademais, sempre que o Estado brasileiro chegar perto da internet deve-se lembrar que, em 1995, quando a acesso à rede era controlado pela Embratel estatal, havia 20 mil pessoas na fila e os teletecas diziam que só aceitariam 500 novos usuários por mês.
Se o governo federal sair por aí comprando milhões de computadores e montando uma rede nacional de conexões sem fio, fabricará um novo Fome Zero. Produzirá peças de propaganda e empregos para o comissariado.
Em alguns lugares (ricos) o projeto dará certo. Em outros (pobres) atolará. Alguns equipamentos virarão micos tecnológicos. Surgirá uma geração de burocratas da internet que procurará impor serviços estatais monopolistas ao mercado.
A idéia de botar computadores e internet nas escolas é boa. O que não dá resultado é o atrelamento de boas idéias a projetos megalomaníacos e aloprados que têm mais a ver com a propaganda do que com o ensino.

O POVO SUMIU DA ARTE PALACIANA

Um curioso percorreu uns 200 metros de corredores do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Impressionou-se com as obras de arte expostas nas paredes e acredita que entendeu o mundo em que o andar de cima pensa que vive.
Viu pinturas cuzquenhas, gravuras de Londres e retratos de poderosos dos tempos coloniais, quando os habitantes da região falavam um patuá de tupi.
Deu pela falta do povo brasileiro, até que se deparou com um pequeno quadro onde há uma negra. Ela carrega duas latas d'água.
No meio de tanta pompa, aquela mulher era a única figura retratada enquanto trabalhava.
A coleção do palácio foi criteriosamente catalogada no século passado e a nova ordem é recente. Ela deu aos corredores um ar de castelo de nobre alemão arruinado.
Um dos mais expressivos retratos do andar de baixo de Pindorama faz parte do patrimônio do governo paulista.
É o "Operários", de Tarsila do Amaral. Ironia da vida: o retrato de quem trabalha está, há décadas, na casa de repouso do governador, em Campos do Jordão.

O GOLPE DA LISTA
Prossegue a manobra destinada a cassar o direito dos eleitores de escolher os deputados. É a imposição do tal voto de lista, que transfere às direções partidárias a prerrogativa de preencher uma parte das bancadas federais. Discursando na posse de Lula, o senador Renan Calheiros disse: "Quem morreu não foi a democracia, não foi a ética, quem apodreceu foi o nosso sistema político uninominal". Traduzindo: as ladroagens, o aumento de 90% do salário dos parlamentares (que Renan defendeu), são podridões dos eleitores. A maquinação pelo voto de lista une PT, PSDB e pedaço do PMDB.

FALHA TÉCNICA
Na quarta-feira, Lula conversou isolada e reservadamente com os deputados Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia. Estava combinado que não revelariam o encontro. No outro dia, Aldo Rebelo narrou seu pedaço da história. Ficou mal com Nosso Guia. Considerando-se que tanto Rebelo como Chinaglia defenderam o aumento de 90%, a diferença entre os dois é imperceptível a olho nu.

BOA BRIGA
Ao contrário do que supunham as empreiteiras e seus comissários amigos, a tentativa de reativar a construção de usinas nucleares vai provocar uma boa briga. O professor Luis Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás, já condenou a iniciativa. Pinguelli tem credencial para isso: em 1975, quando o governo fechou um Acordo Nuclear com a Alemanha, ele foi uma das poucas vozes a condenar o pacote. (O Acordo, um dos maiores desastres da história, foi aprovado pelo Congresso por unanimidade.)


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