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ELIO GASPARI
Estão cozinhando um novo Fome Zero
Num país onde há 35 mil
escolas sem luz, prometer
computadores para toda a
rede pública é demagogia
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VINTE DIAS DEPOIS de sua primeira posse, Nosso Guia namorava a idéia de distribuir
uniformes escolares para 37 milhões
de estudantes da rede pública. O projeto montaria em Brasília uma central de compras e distribuição de
roupas para a serra gaúcha e o cerrado goiano. Felizmente foi arquivado.
Com outra roupa, o delírio voltou.
Lula diz que "vamos ampliar a renovação do ensino, informatizando todas as escolas públicas". Soa bem,
mas é megalomania perdulária a serviço de grandes negócios e do dispositivo de propaganda do comissariado. Num país onde há 35 mil escolas
sem luz, prometer computadores
para toda a rede é pura demagogia.
Para engordar o superávit primário,
o governo entesourou R$ 3 bilhões
que deveriam servir a esse propósito.
Não fez o que devia e agora planeja
torrar R$ 9,7 bilhões em cinco anos.
A idéia de comprar computador,
seja para uma escola ou uma funerária, sempre dá uma sensação de progresso. Essa crença é falsa. Noves fora que o computador precisa de
energia, o professor deve saber usá-lo e a escola precisa conservá-lo. A
eficácia dessas máquinas é inversamente proporcional ao tamanho das
iniciativas. Os grandes projetos tendem a produzir grandes encomendas e pequenos resultados.
Há mais que simples lorotas na cozinha do Planalto. Os sábios planejam a compra de milhões de computadores e a montagem de uma rede
de conexões sem fio com a internet.
Numa ponta está o laptop do professor Nicholas Negroponte, do Massachusetts Institute of Technology. É
um pequeno computador que pode
revolucionar o ensino. Deveria custar US$ 100 por unidade, mas talvez
fique por um pouco mais. Permitindo a substituição gradual dos livros
didáticos, a máquina se paga em quatro anos. Ela ainda está em fase de
testes e o projeto não pode ser apressado pela fome de propaganda dos
governos. Sempre que o Estado diz
que vai comprar 1 milhão de qualquer coisa, computadores ou pregos,
sente-se um cheiro de queimado. O
risco aumenta quando se trata de encomendas no mercado de informática, envolvendo um produto novo. As
credenciais de Negroponte justificam alguma ousadia, pois seu interesse no projeto é basicamente altruísta.
É na rede de conexões sem fio com
a internet que mora o maior perigo.
Trata-se de uma tecnologia nova, cuja utilização nos Estados Unidos está
na conta e risco da iniciativa privada.
O Google quer montar uma rede dessas em San Francisco, mas a cidade
de Nova York estuda o assunto com
grande cautela. Trata-se de proteger
a Bolsa da Viúva contra eventuais
avanços tecnológicos que pulverizam iniciativas, projetos e empresas.
Ademais, sempre que o Estado brasileiro chegar perto da internet deve-se lembrar que, em 1995, quando a
acesso à rede era controlado pela
Embratel estatal, havia 20 mil pessoas na fila e os teletecas diziam que
só aceitariam 500 novos usuários
por mês.
Se o governo federal sair por aí
comprando milhões de computadores e montando uma rede nacional
de conexões sem fio, fabricará um
novo Fome Zero. Produzirá peças de
propaganda e empregos para o comissariado.
Em alguns lugares (ricos) o projeto
dará certo. Em outros (pobres) atolará. Alguns equipamentos virarão micos tecnológicos. Surgirá uma geração de burocratas da internet que
procurará impor serviços estatais
monopolistas ao mercado.
A idéia de botar computadores e
internet nas escolas é boa. O que não
dá resultado é o atrelamento de boas
idéias a projetos megalomaníacos e
aloprados que têm mais a ver com a
propaganda do que com o ensino.
O POVO SUMIU DA ARTE PALACIANA
Um curioso percorreu uns 200 metros de corredores do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
Impressionou-se com as obras de arte
expostas nas paredes e acredita que
entendeu o mundo em que o andar de
cima pensa que vive.
Viu pinturas cuzquenhas, gravuras
de Londres e retratos de poderosos
dos tempos coloniais, quando os habitantes da região falavam um patuá de
tupi.
Deu pela falta do povo brasileiro, até
que se deparou com um pequeno quadro onde há uma negra. Ela carrega
duas latas d'água.
No meio de tanta pompa, aquela
mulher era a única figura retratada enquanto trabalhava.
A coleção do palácio foi criteriosamente catalogada no século passado e
a nova ordem é recente. Ela deu aos
corredores um ar de castelo de nobre
alemão arruinado.
Um dos mais expressivos retratos do
andar de baixo de Pindorama faz parte
do patrimônio do governo paulista.
É o "Operários", de Tarsila do Amaral. Ironia da vida: o retrato de quem
trabalha está, há décadas, na casa de repouso do governador, em Campos do
Jordão.
O GOLPE DA LISTA
Prossegue a manobra destinada a cassar o direito dos eleitores de escolher os deputados.
É a imposição do tal voto de lista, que transfere às direções
partidárias a prerrogativa de
preencher uma parte das bancadas federais. Discursando na
posse de Lula, o senador Renan
Calheiros disse: "Quem morreu
não foi a democracia, não foi a
ética, quem apodreceu foi o
nosso sistema político uninominal". Traduzindo: as ladroagens, o aumento de 90% do salário dos parlamentares (que
Renan defendeu), são podridões dos eleitores. A maquinação pelo voto de lista une PT, PSDB e pedaço do PMDB.
FALHA TÉCNICA
Na quarta-feira, Lula conversou isolada e reservadamente
com os deputados Aldo Rebelo
e Arlindo Chinaglia. Estava
combinado que não revelariam
o encontro. No outro dia, Aldo
Rebelo narrou seu pedaço da
história. Ficou mal com Nosso
Guia. Considerando-se que
tanto Rebelo como Chinaglia
defenderam o aumento de
90%, a diferença entre os dois é
imperceptível a olho nu.
BOA BRIGA
Ao contrário do que supunham as empreiteiras e seus
comissários amigos, a tentativa
de reativar a construção de usinas nucleares vai provocar uma
boa briga. O professor Luis Pinguelli Rosa, ex-presidente da
Eletrobrás, já condenou a iniciativa. Pinguelli tem credencial para isso: em 1975, quando o governo fechou um Acordo
Nuclear com a Alemanha, ele
foi uma das poucas vozes a condenar o pacote. (O Acordo, um
dos maiores desastres da história, foi aprovado pelo Congresso por unanimidade.)
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