São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2009

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JANIO DE FREITAS

Ao jeito de uma ilha


Na Câmara e no Senado, não há sinal da consciência de que o Congresso é uma ilha cercada de indignação por todos os lados


A PÉSSIMA REPERCUSSÃO dos conchavos e resultados nas eleições das Mesas Diretoras de Câmara e Senado foi um passo adiante, e com maus presságios, da opinião pública. Por toda parte, as reações passaram do descaso que costuma preceder a raiva, se mais provocado, para a indignação que não cabe nem sequer no "é, não tem jeito" com insultos de desabafo. As reações deixam a impressão de que não está muito distante o dia em que, se alguém respeitável lançar contra as portas do Congresso um brado como "chega dessa orgia de desaforos e deboches", vai ser difícil conter a ressonância país afora.
A não ser os interessados, ninguém abrira em seu descaso, durante a demorada "campanha", uma fresta de atenção para as duas sucessões. Os conchavos das últimas horas e os seus resultados desafiaram a opinião pública ao repô-la, em 2009, ante a politicagem fisiológica do final dos anos 80 e princípio dos 90. A reação não é passional, é apenas a merecida.
Dentro da Câmara e do Senado, celebrações, mais conchavos, algumas rusgas entre perdedores e vencedores, e nenhum, absolutamente nenhum sinal da consciência de que o Congresso é uma ilha cercada de indignação por todos os lados. Nem um dia se passou para que fossem anunciados novos cargos, novos gabinetes, novas contratações de "assessores". E R$ 16,5 mil de remuneração para os que voltaram à condição de deputados, só por um dia, para votar.
Não é um alívio que a importância teórica das direções na Câmara e no Senado seja, há tempos, inversamente proporcional à sua importância prática nas decisões nacionais. Esse é um dos fatores básicos da falsificação de democracia, dos superpoderes do Executivo, de incursões do Judiciário no terreno ermo do Legislativo e, claro, de tantos males sociais bem conhecidos. Tem jeito?
O retornado presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), acha que sim, porque em sua ótica o que falta, para restabelecer o respeito pela Casa, é mostrar ao país "o trabalho dos deputados nos seus Estados". Pois fica o deputado Michel Temer devedor de idênticas filmagens nos cinco dias semanais em que os deputados deveriam estar em Brasília e na Câmara. Mande filmar todo o plenário de segunda a sexta, de manhã e à tarde. Mande filmar os apartamentos funcionais que saem por fortunas para a Câmara e ficam vazios cinco dias por semana. E deixe de supor que a opinião pública é idiota.
Há exceções pessoais ou partidárias? Sempre se diz que sim, há os sérios. Agora mesmo a bancada do PSDB entrou em briga séria. Noticia-se que é por haver o paulista José Aníbal contrariado o previsto e se recandidatado, com êxito fácil, à liderança da bancada. O que está em jogo, porém, é já a disputa pelo governo paulista. Na escolha anterior, o governador José Serra levou seu grupo a apoiar o deputado Arnaldo Madeira, mas a maioria da bancada elegeu José Aníbal sem dificuldade. Agora, aspirante ao governo paulista, o deputado Paulo Renato, gaúcho de São Paulo, viu na liderança o caminho para se projetar, com apoio de Serra. Ocorre que José Aníbal também pretende alcançar o governo. Aí estão as sérias preocupações parlamentares do PSDB, cuja bancada rachou e o grupo Serra/Renato criou para si uma nova sigla: UDE. Não sei se foi por cerimônia que substituiu por E o N da velha UDN.
Tem jeito. Esperamos que tenha algum, antes que um brado mais forte se alevante.


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