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NO PLANALTO
Criado sob Lula, Paes ganha
silhueta de "Mães"
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Na semana passada, Brasília levou à internet o formulário do Imposto de Renda de
2004. Recomeçou o velho jogo de
esconde-esconde. O caso descrito
abaixo, convém alertar, deixará
irritados os leitores que, por assalariados, não têm como esconder
a renda.
Não quer estragar o domingo?
Então vá ler outra coisa. Decidindo avançar ao próximo parágrafo, não diga depois que não foi
avisado. Por partes:
1) Hemfibra Indústria e Comércio Ltda., empresa do Rio Grande
do Norte, opera no ramo de saneamento. Faz negócios nas regiões Norte e Nordeste. Deve ao
fisco R$ 5,8 milhões. No ano passado, aderiu ao Paes, um "programa especial" aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula;
2) o Paes (lei 10.684) foi concebido para que sonegadores contumazes pudessem abrir crediários
na Receita. Dívidas tributárias
milionárias foram parceladas em
prestações calculadas com base
no faturamento bruto do devedor;
3) nos computadores do governo, a Hemfibra é grande devedora. Foi aceita no Paes, porém, como empresa de pequeno porte.
Recolhe mensalmente aos cofres
públicos R$ 200,00;
4) parcelada a dívida, descobriu-se que há na praça duas empresas homônimas: a Hemfibra
Indústria e Comércio, envolta em
dívidas, e a Hemfibra Tecnologia
em Saneamento, pujante e lucrativa;
5) uma Hemfibra é, por assim
dizer, irmã gêmea da outra. Ambas lidam com saneamento. Os
sócios possuem vínculos de parentesco. As sedes estão separadas
por uma distância de 700 metros;
6) fundada em 1984, a Hemfibra micada transferiu à Hemfibra altaneira, aberta em 2001, os
melhores técnicos, as patentes de
equipamentos e a tecnologia de
saneamento. Preservou as dívidas;
7) para a Receita Federal, as
duas Hemfibras são uma só. A esperteza do desmembramento visa
fraudar a máquina coletora de
tributos;
8) manuseando a calculadora,
a Receita concluiu que, considerados os resultados declarados
das duas Hemfibras, o recolhimento tributário deveria ser não
de R$ 200,00, mas de R$ 29,6 mil
mensais;
9) convocada ao guichê, a "nova" Hemfibra esperneou. Alegou
que nada tem a ver com a velha.
Recusou-se a compartilhar as dívidas;
10) a tese de que as duas Hemfibras são coisas distintas não resiste a um passeio pela internet. Em
visita à rede mundial de computadores (www.hemfibra.com.br),
o repórter constatou que a empresa temporã possui o mesmo DNA
da anciã;
11) a Hemfibra de 1984 tem como sócio-gerente Raimundo Gonçalves Diniz. No contrato social
da Hemfibra de 2001, ele dá lugar
a dois filhos: Manoel Gonçalves
Diniz Neto e Marcela Frazão Arruda Diniz;
12) embora ausente na composição societária, o patriarca Gonçalves Diniz figura na internet como autoridade máxima da "nova" Hemfibra. Ouvido, ele disse
que não dirige, apenas "presta
consultoria" à firma dos filhos.
Mas não é só;
13) a Hemfibra lucrativa informa na internet que seu "corpo
técnico é oriundo da outra empresa", a Hemfibra encalacrada,
"de quem foram adquiridas as
patentes, a marca e o acervo técnico";
14) "Assim", prossegue o texto
da internet, "mais que uma simples compra, onde se transferem
recursos estratégicos [...], a Hemfibra Indústria e Comércio transfere à Hemfibra Tecnologia em
Saneamento toda uma história e
experiência de vida [...]". Só não
transfere as dívidas;
15) acossada pelo fisco, a "nova"
Hemfibra foi ao Judiciário. Sensibilizado por um competente rosário de argumentos desfiados pela
Procuradoria da Fazenda Nacional, a quem cabe defender o fisco,
o juiz deu razão ao Estado;
16) derrotada, a empresa foi à
segunda instância. Reivindicou a
concessão de liminar para brecar
as pretensões da Receita. Perdeu
de novo. Ingressou com novo recurso, ainda pendente de julgamento;
17) o advogado da "nova" Hemfibra, Heriberto Escolástico Bezerra Jr., diz que, se amargar nova
derrota judicial, levará o caso aos
tribunais superiores de Brasília;
18) Bezerra Jr. argumenta que o
fisco negou ao seu cliente o "amplo direito de defesa assegurado
pela Constituição, ferindo o processo legal". O advogado reconhece que os dados registrados pela
Hemfibra em sua página na internet não favorecem a defesa.
Alega, porém, que decorrem de
"um erro", que será corrigido;
19) o caso da Hemfibra está longe de ser isolado. Desmembramentos de empresas com aparência fraudulenta repetem-se às
centenas em todo país. Somam-se
a outros tipos de irregularidades;
20) em reportagem de 1º de fevereiro, a Folha revelou três dezenas
de parcelamentos tributários suspeitos. Parcelaram-se milionários
passivos tributários em até 8.900
séculos. Foram feitos com base no
Refis, a mamata tributária que,
editada sob FHC, em 2000, antecedeu o Paes;
21) descobre-se agora que, assim
como o Refis de FHC, o Paes vai
assumindo, aos poucos, o perfil de
"Mães", num processo de metamorfose que desfigura os seus propósitos.
O repórter pede desculpas ao
contribuinte em dia com o fisco
por ter-lhe vazado os olhos com
informações tão desagradáveis.
Bom domingo.
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