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ELIO GASPARI
"Pôr pra trabalhar gente que nunca trabalhou"
Lula começou seu governo
cometendo um erro crasso:
fundiu numa só pessoa os poderes da coordenação política e
administrativa da Presidência.
Teve a falta de sorte de juntar
essas atribuições no comissário
José Dirceu, que gostou da idéia
da fusão de ventilador com melancia. A sorte de Lula foi tão
pouca que muita gente boa
acreditou no surgimento dessa
figura do gerente, primeiro-ministro ou mesmo "técnico".
José Dirceu foi um excelente
comissário. Inigualável para
massacrar dissidentes de seu
partido e centralizar nomeações, verbas e acordos. Tudo
aquilo de que grandes políticos
como Getúlio Vargas, JK e Franco Montoro tinham horror.
Passado mais de um ano dos
superpoderes do comissário Dirceu, cabe uma pergunta: qual
foi o poste colocado de pé pela
sua temida figura? Argumenta-se que ele tem na cabeça a memória do governo e do partido.
O computador no qual foi escrito este artigo tem uma memória
incrível (10 gigabytes), mas, infelizmente, não é capaz de escrever meia frase. Dirceu consumiu
um ano da existência do governo petista provando a Brasília
que era um homem muito poderoso. Conseguiu. Como no poema de Ascenso Ferreira, "para
nada".
Depois da reforma ministerial, caberia ao poderoso comissário tocar o governo. Até hoje,
tocou entrevistas, todas muito
boas, nas quais não se encontra
vestígio de discussão de políticas
públicas. Se, em vez de ameaçar
pessoas ou instituições, o comissário ameaçasse problemas, o
governo melhoraria. Por exemplo: Dirceu pode ameaçar a
eternização das favelas. Basta
batalhar pela regularização de
50 mil lotes urbanos a cada ano.
(Sem fixar meta, Lula prometeu
cuidar disso.) Se quiser, chama
os prefeitos das grandes cidades
para discutir o que o governo federal pode fazer para permitir a
criação de um vale-transporte
para desempregados. (Lula prometeu 10 milhões de empregos.
Como produziu desemprego,
pode pelo menos ajudar a turma a procurar serviço. É provável que a Grande São Paulo já
tenha chegado aos 2 milhões de
desempregados. O município
tem 1 milhão.) E as cotas para
negros e pobres nas universidades públicas? Daqui a pouco
Dirceu poderá convidar os amigos para o coquetel comemorativo do primeiro semestre da
chegada do assunto à sua mesa.
O professor Delfim Netto conta uma história mais ou menos
assim:
- Seja qual for a tua ideologia,
o teu programa de governo e a
linha política da tua equipe, na
manhã seguinte à posse, você
precisa abrir a quitanda. Vai
entrar uma velhinha, com uma
nota de R$ 10 na mão, querendo
um quilo de berinjelas. Você
precisa ter beringelas e troco para a velhinha.
A velhinha que entrou na quitanda de Lula no dia 2 de janeiro de 2003 ainda está esperando
o troco. Seu marido perdeu o
emprego e seu filho foi assaltado
duas vezes. Parece que Dirceu já
conseguiu as beringelas, mas está reunido com o comissário
Luiz Gushiken para decidir o
troco.
Se Lula quer que o seu governo cumpra uma agenda positiva, precisa transmitir no sistema de som do Planalto os inesquecíveis versos de Vinicius de
Moraes e Carlos Lyra:
"Vou pedir ao meu Babalorixá
Pra fazer uma oração pra
Xangô
Pra pôr pra trabalhar gente
que nunca trabalhou".
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