São Paulo, terça-feira, 07 de maio de 2002

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JANIO DE FREITAS

Escândalo sem pescoço

Uma reunião, sexta-feira em São Paulo, no apartamento de Fernando Henrique Cardoso com a presença de José Serra e José Aníbal, em vez de servir ao alegado exame das eleições estaduais, de fato se prestou a definir a estratégia contra a revelação na "Veja" do dia seguinte - segundo aviso dado à Presidência - de outro caso de alta propina envolvendo Ricardo Sérgio de Oliveira, "mala preta" nas campanhas de Fernando Henrique e José Serra.
Clóvis Carvalho, chamado para fazer sua "rentrée" na velha turma, chegou muito atrasado, não se sabe se deliberadamente ou não, e conversou com Fernando Henrique já sem a presença de Serra. Mas, dali por diante, tornou-se o indicador de Ricardo Sérgio para a diretoria do Banco do Brasil em 95, o que mais apropriadamente era debitado a Serra.
A estratégia combinada ficou no sigilo da reunião, mas os fatos não fogem à regra aplicada aos escândalos desde o início do governo Fernando Henrique, para evitar investigações. Desta vez, porém, com uma perturbação: a regra não levou em conta o compromisso do ministro Paulo Renato Souza de viajar ontem e ficar sete dias no exterior representando o governo.
A regra foi sempre a de escalar depressa um ministro para para pagar os ônus do escândalo, dando-se assim o caso por encerrado com o prestimoso auxílio da mídia. Lá se foram o brigadeiro Murilo Gandra, no escândalo do Sivam; Francisco Graziano, que cometeu o despropósito de desvendar o lobby instalado dentro da Presidência pelo embaixador Júlio Santos; Luiz Carlos Mendonça de Barros, quando grampos telefônicos mostraram o próprio Fernando Henrique manipulando a privatização das telefônicas, e, para não ir mais longe, o agora relembrado Clóvis Carvalho, que pagou quando as divergências de política econômica assumiram sons escandalosos.
Com a sutileza que o caracteriza, o deputado José Aníbal despejou depressa sobre Paulo Renato os insultos disponíveis. Mas o escalado teve a habilidade de não se fazer substituído na viagem, demitindo-se. Pedir que, lá de fora, se exonere do ministério e, portanto, da condição de representante do governo na reunião educacional, será jogar mais combustível e não água no escândalo.
Daí que o governo, sem um pescoço à mão para ser sangrado, esteja mergulhado, com total aturdimento, no risco de ficar ao léu durante toda a semana, jamais tão longa e tão perigosa. Com isso, José Serra ficou exposto à tese de que a saída do governo passa a ser a saída dele. No seu caso, saída mesmo, entrega do lugar e das ambições.
Seria solução? Muitos dizem ser a melhor maneira de evitar, logo, ameaças pefelistas de apoiar uma CPI. Haveria esse alívio, sim, embora a improbabilidade de que o PFL um dia dê número para uma CPI assim.
Não dissolve o escândalo, no entanto, nem evita o grave problema da investigação pelo Ministério Público e da quase inevitável constatação de que os fatos, em torno das privatizações, são ainda muito piores do que o divulgado até agora. Nesse sentido, o aturdimento do governo, ontem, foi correspondido pela expectativa mais generalizada sobre os acréscimos prometidos pelo denunciante Luiz Carlos Mendonça para alturas da noite, via internet. Ele talvez não soubesse que governistas procuravam munição para atingi-lo no peito.


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